
Para 53% dos profissionais a atuação do governo é insuficiente
Pelo 19º ano consecutivo a revista Proteção contribuiu para a avaliação ocupacional no Brasil com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Segurança no Trabalho. Com mais de mil respondentes, entre técnicos de Segurança do Trabalho, engenheiros de Segurança do Trabalho, tecnólogos de Segurança do Trabalho, estudantes do setor, entre outros profissionais do segmento, a pesquisa apontou para uma pequena queda na avaliação negativa da atuação do Governo em SST. Embora com leve melhora na avaliação, a questão ainda é considerada insuficiente por 53,12% dos entrevistados ante 54,64% em 2013. Já a avaliação positiva, que era de 9,77% em 2013, subiu para 10,8% em 2014. Veja tabela Atuação do Governo.
Para o diretor de Relações Internacionais da Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), René Mendes, a Saúde e Segurança no Trabalho devem ser elevadas a outro patamar, na escala de direitos humanos e direito ambiental. Porém, apesar de apontar essa necessidade de mudança de cultura em SST, Mendes destaca alguns fatores positivos como o mecanismo do FAP (Fator Acidentário de Prevenção), ligado ao Ministério da Previdência Social. “Trata-se de um mecanismo extremamente importante, por sua lógica. Avalio que este é, de fato, um avanço considerável e que deve ser creditado à Previdência Social e ao Instituto Nacional do Seguro Social, que, na minha avaliação, se sobressaíram positivamente no contexto institucional público federal”, avalia.
FRÁGIL
“A atuação do Governo Federal em SST é frágil e precária, como foi a dos anteriores”. A avaliação é do engenheiro de Segurança do Trabalho e 2º vice-presidente da Anest (Associação Nacional de Engenharia de Segurança do Trabalho), Nelson Burille, destacando que o “desmonte da área iniciou ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. “Tudo iniciou com a extinção da Secretaria de Segurança e Saúde do Trabalho do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), que foi transformada em departamento – o DSST. “A partir daí o orçamento e a autonomia despencaram”, conta o engenheiro, ressaltando que existiam expectativas de melhores dias quando, em 2002, foi eleito um ex-metalúrgico com um dedo mutilado em virtude de um acidente de trabalho para a Presidência da República, o que não aconteceu. Em 2002, conforme dados do Ministério da Previdência e Assistência Social, foram 410 mil acidentes de trabalho registrados no Brasil, número que saltou para mais de 705 mil em 2012.
O diretor-executivo da UGT (União Geral dos Trabalhadores) e coordenador da Bancada dos Trabalhadores da CTPP (Comissão Tripartite Paritária Permanente), Washington Aparecido dos Santos, o Maradona, destaca que a precária atuação do governo em SST reflete em índices de acidentes elevados. “Temos legislação, temos um programa que é o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, mas, o governo não parece ter perna suficiente para implementar as premissas apontadas pela área”, avalia, acrescentando que existe um “esfacelamento” do MTE, pasta que sofre com a falta de auditores fiscais e especialistas na área da prevenção. “O último concurso realizado não conseguiu suprir a demanda represada que temos”, conta, ressaltando, ainda, que os auditores fiscais concursados efetivados recentemente, em sua maioria, não têm formação na área de Segurança e Saúde no Trabalho.
A opinião negativa é compartilhada pelo secretário nacional de Segurança e Saúde no Trabalho da Força Sindical e membro titular da CTPP, Arnaldo Gonçalves. Para ele, os principais gargalos passam pela falta de recursos humanos para a implementação e fiscalização das políticas públicas. “Não me refiro a recursos humanos somente de Auditores Fiscais do Trabalho, temos também grande deficiência na Saúde e na Previdência”, lamenta Gonçalves.
MOBILIZAÇÃO
Para Burille, além do problema do abandono da área pelo governo, não existe uma campanha de conscientização permanente, como a ocorrida na época do Apagão Elétrico, por exemplo. O dirigente da Anest também reclama da falta de articulação política entre os profissionais da área, o que dificulta a pressão por melhores condições de Segurança e Saúde no Trabalho. “Existe uma deficiência de atuação coletiva, quer por parte do governo, empregadores e trabalhadores, assim como há profissionais que trabalham apenas para promoção pessoal e estão pouco interessados na proteção do trabalhador”, afirma. Outro motivo é a não implementação efetiva da Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho, publicada somente em 2011, embora prevista na convenção 155 da OIT, que fora ratificada pelo Brasil no inicio da década de 90. Já o 2º vice presidente da Fenatest (Federação Nacional dos Técnicos em Segurança do Trabalho), Adir Souza, destaca que a Política Nacional de SST tem avançado, mesmo que timidamente. “A CT-SST (Comissão Tripartite de Saúde e Segurança do Trabalho) tem a incumbência de se reunir e uma delas é de reavaliar a Política. Mesmo timidamente está sendo implementado o item que visa colocar a educação e a saúde do trabalhador no currículo escolar”, conta.
Souza também aponta que o problema na área de SST é incrementado pela falta de mobilização política da classe de técnicos em Segurança do Trabalho para que se pressione o governo visando uma efetiva melhora da situação atual. “A Segurança do Trabalho não deve ser somente política de governo, precisa ser política de Estado. E, para isso, é importante que os profissionais de SST se mobilizem”, afirma Souza. Ainda na tecla da mobilização, Souza diz que é preciso criar a consciência na base, ou seja, nos municípios através dos conselhos municipais de saúde no contexto da CIST (Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador), uma instância de controle social quanto à Política de Saúde do Trabalhador. “Todos os municípios podem ter conselhos de saúde para discutir medidas de saúde do trabalhador, mas apenas 80 a 90 cidades em todo o Brasil possuem este mecanismo”, lamenta.
FUNDACENTRO
A falta de recursos para a Fundacentro foi uma unanimidade entre os ouvidos pelo Anuário Brasileiro de Proteção. Burille aponta o enfraquecimento da Fundação como um dos problemas mais graves na área de Saúde e Segurança no Trabalho. “Há 20, 30 anos, a Fundacentro era referência internacional. Hoje está desmantelada, sem orçamento próprio e recursos mínimos para o investimento em pesquisa e treinamento”, avalia. Para ele, a instituição carece de recursos humanos, com um quadro técnico que se deteriora com o passar dos anos devido à aposentadoria dos servidores e à falta de reposição de novos profissionais.
Souza faz coro, ressaltando que existe um déficit muito grande de profissionais na Fundação da qual é integrante há 30 anos. Ele lembra que desde 1998, quando o governo Fernando Henrique Cardoso vetou o repasse de 2% dos recursos provenientes do SAT (Seguro Acidente de Trabalho) para o órgão, a Fundacentro vem amargando defasagem no quadro de profissionais e estrutura. “Quando comecei a atuar na Fundacentro, em 1984, tínhamos mais de 750 profissionais, hoje são 340”, conta. Para Souza, as demandas mais urgentes são o retorno do orçamento ao órgão e um concurso público imediato para diminuir a carência de profissionais especializados.
COMISSÃO
No âmbito da CTPP (Comissão Tripartite Paritária Permanente), que reúne governo, empregadores e trabalhadores para discutir a questão da SST, membros da bancada patronal reclamam. Para o representante da indústria na CTPP, Clovis Queiroz Neto, gerente de Relações de Trabalho da CNI (Confederação Nacional da Indústria), a atuação do governo peca pelo excesso de punição em detrimento da orientação. “O processo de regulamentação é exagerado. Nunca se trabalhou tanto no aspecto punitivo como nos últimos dois anos”, afirma, acrescentando que de janeiro de 2011 ao corrente período de 2014 foram mais de 50 modificações nas normas que, em sua maioria, não deram tempo de adequação para as empresas. “A informação demora a chegar, especialmente em lugares mais distantes do Brasil. Mas a punição acontece da mesma forma”, relata, acrescentando que falta também a padronização nas fiscalizações. “Eu posso adequar minha máquina e não ser punido no Sul. A mesma máquina pode ser autuada no Nordeste”, exemplifica, em referência à NR 12.
Segundo o representante da indústria, a NR 12 é justamente o maior exemplo da falta de informação e tempo adequado para reestruturação, além da falta de entendimento entre as partes – setor privado, governo e trabalhadores. “O nosso maior problema tem sido a falta de entendimento pela divergência de princípios. Para a indústria, a máquina antiga deve ter um tratamento diferenciado para a adequação. Não é admissível que o empresário pague R$ 70 mil para adequar uma máquina pela qual pagou R$ 20 mil”, aponta. Além disso, continua Queiroz, mesmo após a adaptação, o empresário não tem segurança jurídica quanto à legalidade, uma vez que as normas exigem o máximo de adequação e não o mínimo razoável para a adequação sem onerar o setor produtivo.
Confira o resultado da Pesquisa, disponível em PDF.
Espaço para Prevenção na Empresa