sábado, 14 de junho de 2025

Um novo SESMT é possível?

Data: 09/11/2010 / Fonte: Revista Proteção

Foto: David José Cardoso


Quando o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) foi criado, em 1967, pelo Decreto-Lei 229 – tendo sido regulamentado em 1972 pela Portaria nº 3237 -, o hoje técnico de Segurança do Trabalho Cosmo Palásio era adolescente. “Eu não tinha a mínima ideia da relação trabalho – doença – morte, embora dentro da minha família convivesse com meu avô que, vítima de acidente de trabalho, havia perdido a ponta de um dedo”, recorda. Anos mais tarde, Cosmo se dedicaria à área de Saúde e Segurança do Trabalho e acompanharia, a partir do ano 2000, os debates para a proposta de alteração da Norma que regulamenta o SESMT, a NR 4.

As discussões para a atualização do documento se estenderam por oito anos e o Grupo de Trabalho Tripartite (GTT), composto por representantes do governo, empregadores e empregados, não chegou a um consenso. Um ano e meio depois da interrupção das discussões de atualização da norma, prevencionistas de todo o país ainda divergem sobre o futuro do serviço no Brasil. Nas próximas páginas você vai conferir opiniões sobre o modelo adotado e, de acordo com quem atua na área de Saúde e Segurança do Trabalho, o que pode ser considerado um SESMT compatível com a realidade laboral do país. As opiniões vão desde inserir a participação dos trabalhadores na gestão do serviço, passando pelo controle do estado sobre a atuação e a qualidade das empresas prestadoras de serviço em SST e a multiprofissionalidade do serviço.

No final dos anos de 1960 e começo dos anos de 1970, os altos índices de ­acidentes de trabalho no Brasil forçaram o País a de­finir uma política que responsabilizasse as empresas pela organização de programas de prevenção estruturados, com pes­soal capacitado e infraestrutura adequada do ponto de vista técnico. Associado a este cenário, modelos externos de or­ganização de Serviços de Saúde Ocupa­cional adotados em países como Reino Uni­do, França, Itália, Espanha, Suécia, Por­tugal chamavam a atenção tendo também grande influência para o desen­vol­vi­mento do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho no Bra­sil. “Ainda considerando ele­mentos externos que influenciaram na criação do SESMT estão as diretrizes internacionais lideradas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), principal­mente a Recomendação nº 112 sobre Serviços Médicos de Empresa, de 1959”, apon­ta o médico do Trabalho René Mendes.

A criação do modelo brasileiro de SESMT já estava previsto desde 1967 na Consolida­ção das Leis do Trabalho (CLT). O Artigo 164 do Decreto-Lei nº 229, de 28 de feve­reiro de 1967 (que alterou o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) determinava que as empresas que, a critério da au­toridade competente em matéria de Segurança e Higiene do Trabalho, estivessem enquadradas em condições estabele­ci­das nas normas expedidas pelo Departa­mento Nacional de Segurança e Higiene do Trabalho (DNSHT) deveriam manter, obri­gatoriamente, Serviço Especializado em Segurança e Higiene do Trabalho, além de constituir Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs). “O mesmo artigo estabelecia que o Departamento definiria as características do pessoal especializado em Segurança e Higiene do Trabalho quanto às atribuições, à ­qualificação e à proporção relacionada ao número de empregados das empresas”, explica Mendes. A regulamentação deste artigo da CLT de 1967 deu-se através da Portaria nº 3237, de 27 de julho de 1972, sendo de­pois modificada pela Portaria Nº 3.089, de 1º de abril de 1973. “Vale salientar que a Portaria 3237/72 foi antecedida pela Por­taria 3236/72, que criava subprogra­mas, projetos e atividades prioritárias do Programa de Valorização do Trabalhador (PNVT), cuja Meta IV estabelecia a prepa­ração, em dois anos, de quase 14 mil profissionais de nível superior e médio para via­bilizar os SESMTs”, acrescenta o médi­co do Trabalho. Em 1978, por meio da Por­taria 3.214 é regulamentada a norma que passou a reger esses serviços, a NR 4. 

Modelo

O modelo de SESMT previsto pela NR 4 e vigente até hoje, além de determinar que empresas privadas e públicas que man­tenham o Serviço com a finalidade de pro­mover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho, tam­bém aponta que o dimensionamento dos serviços especializados estão vincula­dos à gradação do risco da atividade principal e ao número total de empregados do estabelecimento. As empresas obrigadas a constituir o serviço especializado devem contar com a atuação de profissio­nais como engenheiro de Segurança do Tra­balho, médico do Trabalho, enfermeiro do Trabalho, auxiliar de Enfermagem do Trabalho e técnico de Segurança do Tra­balho.

A esses profissionais que integram os SESMTs, ainda conforme a Norma, cabe rea­lizar atividades como aplicar os conhecimentos da área com o objetivo de reduzir até eliminar os riscos existentes à saúde do trabalhador, determinar a ­utilização, pelo trabalhador, do Equipamento de Proteção Individual (EPI), colaborar nos projetos e na implementação de novas instalações físicas e tecnológicas da empresa, responsabilizar-se tecnicamente pela orientação quanto ao cumprimento do disposto nas NRs aplicáveis às atividades exe­cutadas pela empresa e manter permanente relacionamento com a CIPA.

Além disso, também compete aos profissionais do SESMT promover a realização de atividades de conscientização, educação e orientação dos trabalhadores para a prevenção de acidentes de trabalho e do­enças ocupacionais; esclarecer e cons­ci­entizar os empregadores sobre acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; a­nalisar e registrar em documento especí­fico todos os acidentes ocorridos na empresa; registrar mensalmente os dados atualizados de acidentes de trabalho, bem co­mo focar suas atividades essencialmente na prevenção.

Avaliação

A eficácia do modelo, adotado há 32 anos no Brasil, divide a opinião de preven­cionistas. Enquanto uns defendem que o Ser­viço é inadequado e ultrapassado para a realidade laboral atual, outros ­acreditam que ele atende às necessidades impostas pelo mundo do trabalho. Ainda há ­aqueles que pensam que o problema não está no modelo do serviço adotado, mas na ­forma como a Saúde e Segurança do Trabalho é tratada por empregadores e trabalhadores. “O que é inadequado não é o SESMT, mas o fato de a Saúde e Segurança do Tra­balho sobreviver no Brasil nas lacunas entre as relações entre o Estado e as orga­nizações, entre estruturas mal dimensio­na­das e a falta de fiscalização. E, muito es­pecialmente, entre o desencontro da formação e a realidade do tra­balho”, ­opina o técnico de Segurança do Trabalho e consultor em SST, Cosmo Palásio.

Visão semelhante tem o presidente da Or­ganização Brasileira das Entidades de Segurança e Saúde no Trabalho e do Meio Am­biente (OBESST), Leonídio Ribeiro Fi­lho. “O modelo é muito bom, o que aconte­ce é uma baixa cultura de prevenção na maioria das empresas aliada à questão do des­preparo de muitos profissionais que o lideram, não gerando integração da SST aos negócios da empresa”, acrescenta.

Já o assessor de políticas públicas e sociais do Sindicato dos Químicos do ABC/CNQ/CUT e consultor da Federação Inter­nacional dos Sindicatos da Química, da En­genharia e da Mineração (ICEM) na área de segurança química para América La­tina e Caribe, Nilton Freitas, defende que o modelo de SESMT está ultrapassado e não dá conta das necessidades que o País tem para fazer frente à questão dos aci­dentes de trabalho e doenças ocupa­cionais e da gestão de segurança e saúde do trabalhador. “O mundo do trabalho está mais complexo, os desafios mais amplos, e com necessidades diferenciadas das a­pre­sentadas nos anos de 1970”, chama a atenção.


Leia a reportagem na íntegra na Edição 227 da Revista Proteção.

10 COMENTÁRIOS

  1. Boa tarde, gostaria de saber se com a atuação do Fisioterapeuta do Trabalho atuando como Ergonomista nas empresas se este pode fazer parte do quadro da SESMT?

  2. Sou Técnico em Segurança do Trabalho há 13 anos, com graduação em Administração de empresas, trabalho em uma metalurgica e tenho consultoria em SMS, na opinião vejo que as duas colocações dos companheiros estão corretas, explico: As empresas não conseguem implantar uma cultura de segurança e existe uma falta de respeito muito grande com os profissionais da área técnicas, tanto de empregador quanto aos funcionários, e área esta caindo em descrédito, existem escolas formando técnicos sem saber ler e escrever direito, já presenciei essa situação, tem profissional que não sabe se dá o respeito, daí fica dificil ter créditos. Hoje a formação técnica esta muito fraca e as oportunidades de crescimento estão raras, quem se forma a técnico daqui das anos vai procurar outra profissião por falta de oportunidades de crescimento, com isso quebra o ciclo das especializações, as faculdades estão investindo muito pouco nas especializações na área da Segurança e precisa quebrar a patente que somente engenheiro ou arquiteto pode fazer pós graduação em segurança do trabalho.

  3. O modelo de SESMT no Brasil, só não alavanca de uma vez, por causa da pouquíssima fiscalização dos órgãos pertinentes como DRT. Se realmente as empresas fossem fiscalizadas em sua totalidade, e as punições aplicadas fossem realmente cobradas, com certeza nenhuma padaria de esquina ficaria sem medidas de proteção aos seus colaboradores, quanto mais as empresas de maior porte. Cansei de ouvir de engenheiros de segurança, e gerentes a seguinte frase: ” Não precisa fazer isso não, eles nem aparecem aqui para fiscalizar” . O problema de nosso pais infelizmente ainda é a IMPUNIDADE.

  4. Penso que devemos repensar em redefinir os modelos de gestão em segurança e medicina do trabalho. Devemos alfabetizar os empresários os colaboradores em relação à prevenção de acidentes e doenças, e não perder tempo em mudar o modelo do SESMT. O SESMT tem os profissionais habilitados para a prevenção, o problema é que o esse profissional não tem autonomia para atuar como se deve, literalmente tem que fechar o olho, por que se atuar como se deve a caba perdendo o emprego.

  5. Concordo com o debate desde que conduza ao aprimoramento do serviço, também tenho a mesma opinião do colega Cosmo Palásio. Há um certo descaso do poder público e entidades privadas, penso que deveriam levar mais a sério um assunto tão importante.

  6. Boa Tarde a todos.
    Realmente existem profissionais que não tem nenhum preparo, ou seja não sabem o que estão falando e nem tão pouco o que estão fazendo. É como o artigo já diz a cultura do Brasileiro a cerca da Saúde e Segurança do Trabalho, ainda está em fase de crescimento, pois ainda falta muitas conquistas a serem alcançadas…
    Não quero generalizar totalmente a SST no país, é claro que muitos avanços já foram alcançados, mais devemos buscar mais qualificações e informações principalmente internacionais…Porque sabemos que mesmo com tantas dificuldades ainda existe profissionais comprometidos com a Segurança e a qualidade de vida dos trabalhadores, mesmo que, embora as empresas em que os profissionais atuam não dão a mesmo atenção…
    …Também seria ótimo se que o governo intensificasse as fiscalizações nas empresas, talvez assim o quadro poderia mudar…Ainda acredito que tudo possa melhor…

    Técnico de Segurança do Trabalho – AGUIAR -POUSO ALEGRE-MG

  7. Concordo plenamente com o comentário do assessor e consultor Nilton Freitas o nosso modelo de SESMT realmente esta ultrapassado, mas nós não podemos somente apontar as falhas, devemos sim, melhorar este serviço, com apoio por parte dos governos e sindicatos não apenas modificando o modelo apresentado na Nr 04, mais colaborando e prestando total apoio aos integrantes do SESMT, com incentivos educacionais e de formação, apoio dos empregadores nas questões de saúde e segurança, salários mais dignos, melhores oportunidades de aprimoramento tanto profissional quanto social, devido reconhecimento profissional por parte dos sindicatos, governos, empregadores e trabalhadores, só assim conseguiremos criar um SESMT que realmente atenda as necessidades dos dias de hoje.

  8. Concordo em número e grau com o Sr. Cosmo e com o Sr. Leonídio! O que nós profissionais da área necessitamos, é de uma maior autonomia por parte dos empregadores, e um maior envolvimento/interesse dos colaboradores da empresa! Aí sim, a máquina irá andar nos conformes!

  9. Sou Técnico em Segurança do Trabalho, com cerca de 10 anos de atuação e observo com base na minha humilde experiência que o que falta para o serviço dar certo não necessariamente passaria por grandes mudanças. Basta uma política de SST bem definida para que a empresa promova a prevenção de acidentes e doenças. Sem isso, por mais que o Estado intevenha, não há como avançar na matéria. Um grande erro é manter uma reserva de mercado para Engenheiros não permitindo a criação de um curso de graduação em SST. O que engenheiro sabe melhor que outros profissionais é cálculo. Mas a matemática é fria, exata, o que não permite ententer gente e suas necessidades. Uma revisão, nesse aspecto cairia bem e resolveria parte do problema permitindo ampliação no quadro da equipe e melhores resultados práticos para o setor. Multas, para empregadores que burlan o fisco com a naturalidade do pagamento de uma propina para guardas rodoviários federais, típico de uma cultura enraizada nacionalmente, pouco importa ou importará. A previdência, através da lei 8213/91 já previa ações regressivas contra empresas que negligenciasse ações em SST e pouco disso aconteceu ou acontece, e isso sinaliza que por aí não é o caminho. Enfim, é preciso que o empregador entenda essa necessidade e faça a diferença. Caso contrário, só a perseverança de quem gosta de gente e da profissão fará a diferença e contribuirá para a queda na estatística anual de acidentes e doenças.

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