Por Karina Penariol Sanches / Fundacentro
Estudo conduzido por pesquisadores da Fundacentro e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revela a degradação das condições de trabalho dos motoristas do transporte coletivo urbano e metropolitano de Belo Horizonte. Os detalhes estão no livro Apertem os cintos, o copiloto sumiu: o impacto da dupla função na segurança e saúde do motorista de ônibus e na qualidade dos serviços do transporte coletivo urbano e metropolitano de Belo Horizonte.
De autoria do tecnologista da Fundacentro/MG, Eugênio Paceli Hatem Diniz, dos professores Francisco de Paula Antunes Lima e Adson Eduardo Resende, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), das mestras em Engenharia de Produção pela UFMG Marcelle La Guardia Lara de Castro e Samira Nagem Lima, este é um dos resultados da pesquisa encomendada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Minas Gerais. A demanda surgiu a partir da medida adotada pelas empresas de transporte coletivo da cidade de eliminar a função de agentes de bordo, os chamados cobradores.
A pesquisa identificou que a organização do transporte coletivo consiste em um sistema sociotécnico construído em torno do coletivo cobrador-motorista. Não se trata apenas de tecnologia aplicada no controle de tráfego ou da qualidade dos veículos, mas sim de um sistema complexo que integra tecnologias, organização do trabalho, infraestrutura e relações institucionais. Uma mudança sem planejamento em um de seus elos, como a retirada dos cobradores, reverbera por toda a cadeia de atendimento e gestão e desestabiliza o sistema.
“Na visão das empresas e dos gestores públicos que respondem pela gestão do transporte público, o cobrador era visto como uma pessoa que apenas cuidava da cobrança das passagens e não como um trabalhador que atuava na copilotagem do sistema, ajudando o motorista em diversas situações, principalmente na condução mais segura e eficiente do transporte de passageiros”, frisa o estudo.
Dupla função
O mapeamento das condições reais de trabalho e a análise das atividades revelaram que, além de conduzir o veículo, os motoristas se viram obrigados a absorver mais responsabilidades, antes atribuídas aos cobradores ou com eles divididas. Assim, passaram a dividir a condução do veículo com cobrança de passagens, conferência de troco, atendimento e orientação a passageiros, fiscalização de dispositivos internos do ônibus.
O tempo para vistoriar o veículo, deslocar entre viagens e pausas de alimentação ou descanso também ficam cada vez mais reduzidos. Ao atuar como copiloto, o cobrador também contribuía para a condução mais segura e com menos chance de acidentes. Por exemplo, quando ajudava na cobertura de pontos cegos, indicando presença de outros veículos e auxiliando nas mudanças de faixa com menor chance de acidentes.
A deterioração das condições de trabalho provocada pela nova organização, com acúmulo de funções, tornou o trabalho mais extenuante, cujos efeitos se manifestam na sobrecarga física, cognitiva e emocional. Entre os relatos dos motoristas disponíveis no livro, estão frequentes dores musculares, fadiga, problemas posturais, adoecimento mental, elevação do nível de estresse, entre outros. Impacto reflete também na qualidade dos serviços. Interações entre motoristas, passageiros e o ambiente urbano estão mais desgastadas, gerando conflitos durante a viagem. Atrasos e acidentes são mais recorrentes.
Frente a esse cenário, os pesquisadores concluem que é equivocada a visão das empresas operadoras e dos gestores públicos do setor. Ao culparem os motoristas pela baixa qualidade do serviço e má avaliação pelos usuários, desconsideram a origem sistêmica e profunda do problema. Reforçam, ainda, que a qualidade do serviço depende da atuação conjunta dos envolvidos nas diferentes camadas: motoristas, empresas operadoras, gestores públicos e passageiros.
Reequilíbrio do sistema
Para mitigar os problemas, o estudo apresenta 29 medidas, que deram origem à cartilha Recomendações técnicas para melhoria dos serviços e das condições de trabalho dos motoristas do transporte coletivo urbano e metropolitano de Belo Horizonte. A autoria conta também com Vivian Franchi Tofanelli, doutoranda em Engenharia de Produção pela UFMG.
As recomendações são divididas em três grupos, conforme o direcionamento: empresas e sindicatos do setor; gestores públicos; equipamentos/instrumentos de trabalho. A finalidade é reorganizar o sistema sociotécnico com um modelo que considere as diversas camadas, mas centrado no motorista.
“Convidamos para, juntos, discutir, promover e acompanhar a implantação das propostas de melhorias de modo que possamos oferecer um transporte coletivo urbano que expresse o direito ao trabalho digno, que preserve a saúde e a segurança, e que seja a expressão objetiva da cidadania, tanto dos motoristas quanto dos passageiros, contribuindo para as melhorias necessárias, atuais e futuras”, destacam os pesquisadores.
Entre os pontos abordados, estão a nova organização do trabalho, considerando adequação de horários de trabalho e tempos de pausa, grupos de trabalho com atuação integrada dos atores envolvidos no serviço, com maior participação dos motoristas, reorganização de tempo prescrito de viagem e mudanças de linha, infraestrutura de espaços de descanso.
Em relação a instrumentos de condução e infraestrutura veicular, as recomendações envolvem sistemas de segurança como sensores, câmeras e monitores veiculares, implementação e melhoria de sistema de controle de pagamento de passagem, reestruturação do posto de trabalho, incluindo ajustes ergonômicos.
Aspectos relativos à infraestrutura urbana também compõem parte das medidas. Entre elas, sinalização das vias, pavimentação, poda de árvores, implantação de rampas, elevadores ou plataformas para pessoas com mobilidade reduzida em pontos estratégicos, fiscalização, aprimoramento dos sistemas de pagamento.
Modelo para replicar
Ambas as publicações enfatizam que a maioria das medidas são viáveis com os recursos existentes e, portanto, podem e devem ser aplicada imediatamente para reduzir os riscos a que os motoristas estão expostos. Podem, inclusive, subsidiar novos editais e licitações públicas de modo a expressar concretamente o direito ao trabalho digno, contribuindo para as melhorias imediatas e futuras das condições de trabalho dos motoristas.
A cartilha sugere, ainda, que as recomendações sejam adaptadas por outros municípios que venham a vivenciar situação similar. Desse modo, poderão refletir as necessidades de cada local.