quarta-feira, 18 de junho de 2025

Estudo de caso: avaliação do ruído ocupacional e a sua aplicação no eSocial

O ano de 2023 marca a implementação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) em seu formato eletrônico. Trata-se de um grande avanço no que tange o conjunto das informações previdenciárias inseridas nesse documento que, entre outras finalidades, visa auxiliar a caracterização da aposentadoria especial com base na legislação vigente. Nesse ponto, temos um arcabouço jurídico extenso que permeia diferentes decretos, leis e instruções normativas, que, apesar de serem instrumentos orientativos, muitas vezes, acabam mais confundindo do que instruindo, principalmente em virtude das mais variadas alterações ocorridas nos parâmetros quantitativos e qualitativos da legislação previdenciária nas últimas décadas.

Nesta coluna, quero tratar de um estudo de caso acerca do agente físico ruído, mais precisamente de uma exposição ao ruído intermitente avaliada pela equipe técnica da consultoria GV – Segurança e Saúde Ocupacional, onde fui o Higienista Ocupacional (HO) responsável pela condução das análises feitas na campanha de medições de higiene ocupacional. No escopo dessa campanha, havia um total de 97 audiodosimetrias (dosimetrias de ruído) a serem feitas em diferentes Grupos de Exposição Similar – GES.

Uma dessas avaliações será o nosso estudo de caso, mais precisamente um GES denominado “Manutenção Predial”, onde existia alguns trabalhadores responsáveis pelo reparo das estruturas dos prédios do estabelecimento, abrangendo a manutenção da parte construtiva e das instalações hidráulicas e pneumáticas, dentro, evidentemente, dos limites das funções de atuação para este tipo de reparo.

Pois bem, primeiramente analisamos o perfil da exposição ocupacional através de uma abordagem qualitativa de campo, por meio de uma Análise Preliminar de Riscos de Higiene Ocupacional, popularmente conhecida pela sigla APR/HO. Dessa forma, conseguimos compreender detalhadamente quais eram as tarefas executadas e entender como a dinâmica de trabalho dos empregados deste GES era muito variável. Ou seja, não podíamos obter uma padronização e um roteiro de tarefas, tendo em vista que a demanda de serviço era diferente em cada dia de trabalho.

Logo, estabelecemos que a quantificação do ruído intermitente seria feita por meio de uma audiodosimetria representativa dos ciclos de exposição ocupacional, considerando que a jornada laboral dos trabalhadores do GES era de 08h48min por dia (528 minutos), decidimos por
um período de medição total de 08h30min (510 minutos) de duração, em que basicamente toda a jornada de trabalho seria contemplada. Os 18 minutos residuais, que ficaram fora do tempo medição estabelecido, se referem aos minutos dispendidos para que o trabalhador analisado possa chegar ao local onde fizemos a fixação do equipamento próximo a zona auditiva (região do espaço delimitada por um raio de 150 mm ± 50 mm, medido a partir da entrada do canal auditivo), bem como para informá-lo sobre os procedimentos de medição e os cuidados com o equipamento.

Também não posso deixar de mencionar que, após o período de refeição (que não é contemplado na medição), o trabalhador analisado quase sempre demora alguns minutos a mais do que exatamente 1 hora (ou qual seja o tempo de refeição) para que assim possamos dar prosseguimento a medição, quem conhece o campo sabe do que estou falando.

Todos os cuidados foram tomados para que os 18 minutos residuais não tivessem alguma tarefa onde o nível de pressão sonora fosse muito mais elevado, podendo ser caracterizado como um período não medido que pudesse levar a um conjunto de resultados subestimados.

Após a conclusão dos trabalhos de campo, deu-se início a parte de análise dos resultados, com base nos dados inseridos no software do equipamento. Basicamente, vamos trabalhar com os seguintes descritores de exposição: dose de ruído proporcional ao tempo de medição, dose acumulada para a jornada de trabalho, level average (nível médio), nível de exposição e o nível de exposição normalizado. Qualquer outro descritor se torna desnecessário (TWA? Não mesmo!).

A configuração aplicada ao audiodosimetro foi:

• Circuito de ponderação “A”;
• Circuito de resposta lenta (slow);
• Limiar de integração de dose: 80 dB(A);
• Critério de referência: 85 dB(A);
• Range de medição: 70 dB(A) a 120 dB(A);
• Indicador de exposição a níveis de ruído superiores a 115 dB(A);
• Incremento de duplicação de dose: q5 e q3 (qualquer audiodosimetro mais moderno permite que o usuário obtenha os resultados distintos para cada um dos incrementos de dose aplicados).

Aviso: as equações desenvolvidas têm resultados aproximados, considerando alguns arredondamentos no decorrer dos cálculos realizados.

A dose referente ao período medido (510 minutos) foi de 134,5% em q5 e de 188,0% em q3, já a dose projetada foi de 139,2% e 194,6% (assumindo que em um dia típico de trabalho, o período não medido tem o mesmo perfil dos ciclos de medições quantificados).

Como obter a dose projetada? Aplique uma regra de três simples, onde (em q5) teremos:

Já em q3:

Então, está provado que o nosso equipamento operou de forma apropriada ao projetar a dose de ruído tanto em q5 quanto em q3.

Em seguida, vamos analisar o resultado do nível médio (LAVG), que deve ser calculado com base na dose obtida durante o período de medição.

A formula a ser usada será:

Considerando o incremento de duplicação de dose q5.

Considerando o incremento de duplicação de dose q3.

Obs.: Normalmente, quando se realiza uma avaliação de ruído usando-se o incremento de duplicação de dose q3, o termo mais usado para expressar o nível de pressão sonora em dB(A) é o nível equivalente, ou seja, o conceito de igual energia, expresso pela sigla LEQ (Equivalent Contínuos Sound Level). Todavia, como estamos tratando aqui de uma audiodosímetria, onde se aplica um circuito de resposta (slow) não é conceitualmente correto usar essa expressão, haja vista que o nível equivalente expresso na sua essência não considera a constante de tempo.

Logo, para representar o nível de pressão sonora em dB(A), usarei o Lavg (o mais correto ainda seria denomina-lo pela sigla Lav, mas isto fica para uma próxima coluna).

Muitos alunos me perguntam o motivo dos valores de 16,61 e 10 nas fórmulas, respectivamente válidos para q5 e q3.

Ambos os valores são obtidos pela relação do dobro da energia acústica, que pode ser expresso pela relação de log 2 (leia-se: log de 2 na base 10).

Log 2 ~ 0,3 (aproximadamente 0,3).

0,3 é o valor a ser usado no denominador para dividir 5 e 3, então teremos:

Obs.: Na equação do LAVG, o valor da dose é dado em % e o tempo de medição em horas decimais (8h30minutos de medição equivale a 8,5 em horas decimais).

Aplicando a equação do Lavg em q5, teremos:

Logo, o resultado do Lavg em q5 será igual a 86,6 dB(A).

A seguir, obteremos o resultado do Lavg em q3:

Logo, o resultado do Lavg em q3 será de 85,0 dB(A).

Contudo, neste ponto, devo salientar que a metodologia de avaliação para caracterizar a aposentadoria especial considera como base o resultado do Nível de Exposição Normalizado (NEN), onde na equação é previsto o uso do Nível de Exposição (NE). Esse, por sua vez,
considera o resultado da dose de ruído representativa da exposição na jornada integral de trabalho (que pode ser a dose projetada ou não, a depender do perfil de exposição), bem como a duração total, em minutos, dessa mesma jornada laboral.

Aplicando a fórmula do NE em q5, temos:

Considerando a fórmula do NE em q3, temos:

Vale lembrar que a jornada laboral integral é de 8h48min (528 minutos), enquanto a dose projetada foi de 139,2% em q5 e de 194,6% em q3.

Vamos agora analisar o resultado do Nível de Exposição, considerando as duas possibilidades de incremento de duplicação de dose.

Portanto, o valor do NE, considerando q5, foi de aproximadamente 86,7 dB(A).

Em seguida, veremos qual é o Nível de Exposição em q3:

Portanto o valor do NE, considerando q3, foi de, aproximadamente, 88,0 dB(A).

Apenas como adendo: caso estivéssemos tratando apenas da elaboração do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), sem considerar a aplicação deste programa como um meio substituto ao LTCAT ou mesmo como forma de complementar este laudo (conforme prevê o artigo 277 da IN 128/22), e também estivéssemos nos restringindo ao laudo de insalubridade, para o atendimento da NR 15, anexo 1, eu diria para nos resumirmos ao que foi explicado acima, principalmente no que tange o uso da dose projetada e do NE. Isso porque, com esses resultados, poderíamos estabelecer medidas de prevenção e controle. Mas é claro que uma avaliação em bandas de 1/1 oitava ou 1/3 oitava também são muito contributivas para o estudo das componentes de frequência.

Em suma, por meio desse tipo de análise, podemos identificar as frequências (número de ciclos completos da onda acústica por segundo) dos níveis de ruído mais preponderantes, principalmente aquelas que estão entre 3.000 Hz a 5.000 Hz), auxiliando significativamente no dimensionamento de um projeto de acústica. Todavia, isto não está no escopo deste breve texto.

Por fim, vamos, agora, obter o valor do Nível de Exposição Normalizado. Apresentarei as equações considerando os incrementos de dose q3 e q5, mas, antes, quero esclarecer o fato de não adentrar no debate acerca de qual meio está correto para fins de elaboração do LTCAT. Esse debate existe a mais de uma década, quase duas, para ser mais preciso, e já tratei deste mesmo assunto em outros textos e publicações técnicas

Considerando o NEN em q5, teremos:

O resultado do NE foi determinado, já o tempo de exposição é a jornada de trabalho contemplada em minutos. Logo, teremos:

Dessa forma, concluímos que a exposição ao ruído intermitente, considerando o resultado do NEN, foi superior a 85 dB(A). Ou seja, acima do limite de exposição ocupacional normalizado para uma jornada de 8 horas (480 minutos).

Considerando o NEN em q3, teremos:

Assim como em q5, concluímos que em q3 a exposição ao ruído intermitente também foi superior a 85 dB(A), com base na equação do NEN. Ou seja, acima do limite de exposição ocupacional normalizado para uma jornada de 8 horas (480 minutos).

Eu posso estar enganado, mas, neste momento, você deve ter se perguntado “será que o Professor Gustavo vai falar sobre a eficácia do protetor auditivo?”. Digo isso, pois sei como essa questão é polêmica. Contudo, sinto lhe informar que não tenho espaço para discorrer sobre isso neste texto. Falaremos sobre tal temática numa outra oportunidade.

Agora, como tenho empatia para com os meus colegas de SST, posso dizer-lhes que, na maioria dos casos, será necessário o recolhimento da tributação para o custeio do Fundo de Aposentadoria Especial (FAE) preconizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mais precisamente a declaração da Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP 4), correspondente ao tempo de contagem especial de 25 anos originada no evento S-2240 do eSocial (de onde são extraídas as informações para a elaboração do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP eletrônico), mesmo com o uso do protetor auditivo.

Cabe reforçar que o envio do resultado do NEN torna-se compulsório quando este valor atinge o nível de ação. Nesse caso, como a normalização é para um tempo de 8 horas (480 minutos), o valor do nível de ação é de 80 dB(A) em q5 e de 82 dB(A) em q3 (ambos os valores correspondem a 50% da dose para uma jornada de trabalho de 8 horas). Então, a partir do alcance destes valores, faz-se necessário informar o código 02.01.001 – Ruído, conforme tabela 24 do eSocial.

Obs.: Não estou dizendo aqui que concordo ou discordo deste tipo de procedimento de caracterização, eu entendo todos os lados envolvidos, tanto os argumentos das entidades públicas, da representação dos trabalhadores, bem como das entidades empresariais.

Espero que esse breve texto possa lhe ajudar no entendimento da aplicação das equações de ruído ocupacional, bem como fornecer informações úteis para contribuir com o debate técnico sobre este mesmo tema.

Um grande abraço, meus caros e minhas caras!


O blog Higiene Ocupacional em ação traz diversas situações e vivências práticas do dia a dia dos profissionais de segurança do trabalho, com dicas e reflexões de como a higiene ocupacional pode ser aplicada para promover um ambiente de trabalho seguro e produtivo. O autor é Gustavo Rezende de Souza, bacharel em Ciência e Tecnologia, técnico de Segurança do Trabalho com especialização em Higiene Ocupacional, professor nos cursos de SST e consultor Técnico.

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