Meus caros, a avaliação da exposição ao frio é um ponto que merece nossa atenção, não acham? Temos o Anexo 9 da NR-15, que trata da insalubridade, mas digo para ti que, para uma análise de risco completa, ele apresenta limitações significativas, especialmente fora de seu escopo principal.
O Anexo 9 da NR-15 destina-se especificamente às “atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio”.
Ele adota uma abordagem qualitativa para caracterizar a insalubridade nessas condições, sem estabelecer limites de tolerância quantitativos claros baseados em parâmetros ambientais e fisiológicos cruciais para outras situações de frio. Ele não fornece uma metodologia robusta para avaliar o estresse térmico considerando a temperatura do ar, velocidade do vento, umidade, isolamento da vestimenta e a taxa metabólica do trabalhador em conjunto para diversas outras atividades expostas ao frio.
Essa ausência de critérios técnicos detalhados para múltiplas situações dificulta a avaliação precisa do risco real e a definição de medidas de controle que vão além da simples constatação da condição insalubre, focando na prevenção do estresse térmico por frio de forma mais ampla.
FERRAMENTA QUANTITATIVA ESSENCIAL
Felizmente, dispomos de referências técnicas internacionais mais completas, como a norma ISO 11079: Ergonomics of the thermal environment — Determination and interpretation of cold stress when using required clothing insulation (IREQ) and local cooling effects (em português: Ergonomia do ambiente térmico — Determinação e interpretação do estresse pelo frio utilizando o isolamento requerido da vestimenta (IREQ) e efeitos do resfriamento localizado). Esta norma introduz a metodologia IREQ (Índice de Isolamento Requerido da Vestimenta).
O IREQ calcula o isolamento térmico (em ‘clo’) que a vestimenta precisa oferecer para manter o equilíbrio térmico do corpo, prevenindo a hipotermia, considerando as condições ambientais e a atividade física. A beleza dessa metodologia está em integrar variáveis essenciais:
• Temperatura do ar e radiante média;
• Velocidade do ar e umidade relativa;
• Taxa metabólica (calor gerado pela atividade);
• Duração da exposição.
Com base nesses dados, calcula-se o IREQ neutral (para conforto) e o IREQ min (isolamento mínimo para evitar estresse).
EXEMPLO SIMPLIFICADO DO IREQ
Imagine um trabalhador realizando uma atividade moderada (taxa metabólica de 150 W/m²) dentro de uma câmara fria a -5°C, com velocidade do ar baixa (0.2 m/s) e umidade de 80%, por um período de 2 horas. Utilizando a metodologia IREQ (com auxílio de software ou tabelas da norma), poderíamos calcular o isolamento mínimo requerido (IREQ_min) para essas condições. Suponhamos que o cálculo resulte em IREQ_min = 1.9 clo. Se a vestimenta fornecida ao trabalhador tiver um isolamento de apenas 1.5 clo, a metodologia indicaria que a proteção é insuficiente para a exposição contínua de 2 horas. A norma permitiria, então, calcular o tempo máximo de exposição segura com essa vestimenta (Dlim), orientando sobre a necessidade de pausas para reaquecimento ou a adoção de uma vestimenta com maior isolamento.
GESTÃO DE RISCO EFICAZ
Portanto, meu caro, embora o Anexo 9 da NR-15 cumpra seu papel legal para a insalubridade em câmaras frigoríficas e similares, ele é insuficiente para uma gestão de risco eficaz contra o frio em todas as suas formas. A metodologia IREQ (ISO 11079) nos oferece a ferramenta quantitativa necessária para avaliar o estresse térmico de forma precisa, selecionar vestimentas adequadas e definir controles que realmente protejam a saúde do trabalhador. Adotar essas práticas é elevar o nível da Higiene Ocupacional.
Referências:
• BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15): Atividades e Operações Insalubres. Anexo nº 9 – Frio. Brasília, DF.
• INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 11079:2007: Ergonomics of the thermal environment — Determination and interpretation of cold stress when using required clothing insulation (IREQ) and local cooling effects. Geneva: ISO, 2007.

O blog Higiene Ocupacional em ação traz diversas situações e vivências práticas do dia a dia dos profissionais de segurança do trabalho, com dicas e reflexões de como a higiene ocupacional pode ser aplicada para promover um ambiente de trabalho seguro e produtivo. O autor é Gustavo Rezende de Souza, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Higienista Ocupacional Certificado, Conselheiro Técnico na Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (gestão: 2024-2027), Engenheiro de Produção, Bacharel em Ciência e Tecnologia, professor no curso de especialização de higiene ocupacional na Universidade de São Paulo – USP, membro da ABHO, AIHA, ACGIH e BOHS e consultor técnico de higiene ocupacional.
gustavo@gvseguranca.com.br