Edição 403 – Julho/2025
Óbitos e lesões graves e permanentes têm marcado a rotina de motociclistas profissionais no país
Reportagem de Marla Cardoso
Em março de 2021 Leandro dos Santos, aos 31 anos, trabalhava de moto como entregador quando se acidentou. A atividade era exercida como complemento de renda no final da jornada CLT que realizava como garçom. O acidente aconteceu em um cruzamento e envolveu outro motociclista. “Ele cruzou em alta velocidade e colidimos”, recorda. Com o impacto, Santos foi imediatamente hospitalizado. Quebrou o acetábulo – estrutura localizada no osso do quadril – e precisou colocar seis parafusos e uma placa.
A recuperação envolveu um mês de hospitalização, além de dois meses se deslocando com andador e um mês de muletas em casa. “Desenvolvi uma artrose severa e preciso colocar prótese”, conta o pai de quatro filhos e morador da Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Além do impacto físico e psicológico, ele precisou ser afastado do trabalho e há quatro anos vive com benefício previdenciário.
Essa realidade faz parte de uma epidemia silenciosa no Brasil: os acidentes de motos. As vítimas, em sua maioria homens, são jovens entre 20 e 39 anos que, quando não vão à óbito, acabam sofrendo lesões graves e permanentes, como no caso de Santos. Além das vidas perdidas, os custos com internações, cirurgias e reabilitação são altos. Somente em 2024, as hospitalizações envolvendo motociclistas custaram ao SUS (Sistema Único de Saúde) mais de R$ 257 milhões.
O problema é potencializado quando pensamos que a moto é fonte de renda para muitos trabalhadores. E mais crítico ainda quando constatamos que essas jornadas são exercidas sem vínculo e, consequentemente, sem proteção para a saúde e segurança desses profissionais. Entender o que está por trás desses acidentes, que medidas devem ser adotadas para evitar essas ocorrências e como trabalhar a prevenção é a arrancada para desacelerar esse preocupante quadro.
Os desafios sobre a segurança dos motociclistas vêm sendo objeto de estudo no mundo inteiro. O crescente número de vítimas justifica. As lesões de trânsito configuram entre as dez principais causas de morte em países de baixa e média renda e a sexta causa de Daly – da sigla em inglês Disability Adjusted Life Years, que significa ‘Anos de Vida Perdidos por Incapacidade’.
O Brasil acompanha as projeções mundiais. Em 2023, o boletim epidemiológico “Cenário das Lesões de Motociclistas no Trânsito de 2011 a 2021” (https://is.gd/e5RMVJ), produzido pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, compilou dados sobre o tema no país.
O documento apontou que, em 2011, os óbitos de motociclistas eram 26,6% do total das mortes no trânsito e passaram a 35,3% em 2021. A proporção das internações envolvendo motociclistas também aumentou de 50,6% para 61%, passando de 70.508 em 2011 para 115.709 em 2021, considerando apenas a rede SUS e conveniados. Outra fonte que apresenta dados de mortalidade no trânsito, o Atlas da Violência, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), destacou em sua edição de 2025 que os óbitos de usuários de motocicletas no Brasil cresceram mais de 10 vezes nos últimos 30 anos.
Órgãos que pesquisam o tema consideram que um dos aspectos a ser considerado é o uso das motocicletas como meio de transporte para o trabalho ou como equipamento de trabalho, como nos serviços de entrega. Por isso, diversos acidentes com motociclistas podem ser considerados acidentes de trabalho típicos. Essa realidade, porém, não é expressa nos registros oficiais de proteção aos trabalhadores. Isso porque, uma das tônicas da jornada dos motociclistas é a informalidade.
MUDANÇAS
Fatores como a retração da economia no país, com o rebaixamento de salários e a perda de direitos sociais ao longo dos anos, em especial a partir da Reforma Trabalhista de 2017, foram preponderantes para o surgimento de modalidades alternativas de contratação sem a garantia de direitos conquistados e já incorporados na sociedade, colaborando para um processo de precarização do trabalho. Quem chama a atenção é o procurador do trabalho e gerente nacional do Projeto Plataformas Digitais do MPT (Ministério Público do Trabalho), Rodrigo Castilho.
De acordo com ele, com a chegada de novas tecnologias de contratação de trabalhadores em alcance ilimitado, o valor da mão-de-obra diminuiu exponencialmente. Antes dos aplicativos de serviço, a contratação de trabalhadores tinha um alcance limitado: era necessário publicar um anúncio que atingia um número de pessoas interessadas naquele emprego. A demanda por trabalho nem sempre encontrava a oferta de emprego. Havia uma dispersão da procura por oportunidades.
“Atualmente, a contratação atinge um número ilimitado de pessoas, ou seja, a oferta de emprego alcança toda a demanda por trabalho e isso propicia o rebaixamento do valor da mão-de-obra, pois a concorrência entre os trabalhadores é muito ampla”, explica. Nesse contexto, Castilho afirma que em um cenário de desemprego em massa e trabalho informal, muitos motociclistas buscaram se ativar em aplicativos de serviço para obter uma oferta de trabalho para assegurar sua subsistência. “Essa multidão de trabalhadores reunida em um ambiente virtual gerou uma situação de precarização do trabalho com a redução paulatina do valor da mão-de-obra. Além disso, a dispersão dos trabalhadores nesse ambiente virtual impossibilita a criação de um espírito de coletividade, enfraquecendo as entidades de representação”, opina. Outro complicador é que as empresas de aplicativo não reconhecem sua responsabilidade pelo trabalho exercido pelos motociclistas. Consideram os motociclistas como autônomos ou microempresários individuais e se consideram como intermediário de uma relação entre terceiros. Por sua vez, a condição de autônomo não assegura os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores.
“A atividade exercida pelos motociclistas é uma atividade de alto risco e muito perigosa, principalmente nas grandes cidades do Brasil. Os acidentes são uma constante, com índices crescentes. O paradoxo atual é que as empresas de aplicativos obtêm lucros enormes explorando uma atividade econômica, porém não se responsabilizam por ela. Isso sem falar das longas jornadas de trabalho sem qualquer direito à limitação ou desconexão dos aplicativos, descanso ou intervalos. Quanto mais o valor da mão-de-obra diminui, mais horas de trabalho são necessárias para garantir um mínimo de subsistência. Juntando esse fato a uma atividade de risco, o resultado é o aumento do número de acidentes e agravados aos trabalhadores”, completa Castilho.
Confira a reportagem completa na edição de julho da Revista Proteção.
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