terça-feira, 01 de julho de 2025

Maior acidente aéreo do país em Congonhas é tema de série da Netflix

Por Ivan Rigoletto

A minissérie Congonhas estreou na Netflix em 23 de abril último. Segundo a Folha de S.Paulo, ocupou o top 10 das séries em 36 países, e no Brasil chegou a ocupar a primeira posição. Assisti logo na primeira semana.

Combinando relatos pessoais com detalhes da investigação, associados ao momento político e social vivido pelo Brasil e pelo retrato do setor aéreo à época do acidente em 2007, a série busca reconstituir em três episódios o maior acidente aéreo ocorrido até agora no Brasil, que foi o pouso do voo 3054 da TAM que fazia o trecho Porto Alegre a São Paulo, aeroporto de Congonhas. Morreram 199 pessoas.

CENÁRIO DO ACIDENTE
O primeiro episódio tem o depoimento de familiares de várias vítimas, além de abordar condições estruturais de Congonhas, como a inexistência do grooving ou sistema de drenagem da pista, excesso de pousos e decolagens com intervalos curtos entre eles, a localização do aeroporto, entre outros aspectos. Os depoimentos de especialistas, bombeiros e familiares das vítimas também mostram preocupações anteriores ao acidente, levantando os problemas tanto de infraestrutura como de gestão aeroportuária no Brasil.

IMPACTO E POSSÍVEIS CAUSAS
Já o segundo episódio busca melhor entender a noite do acidente, mostrando as condições climáticas adversas e as decisões tomadas pela tripulação de cabine. Aborda, também, a atuação do Corpo de Bombeiros. Entrevistas com especialistas e gravações da caixa-preta revelam a sequência de eventos que levaram à colisão do avião com um prédio da companhia aérea. O episódio também traz o impacto da tragédia na sociedade brasileira, além, claro, do impacto e da mobilização das famílias das vítimas, que se uniram para exigir esclarecimentos. Este episódio ainda contextualiza o acidente dentro da crise de gestão aeroportuária de 2006 e 2007, o “apagão aéreo”. Além de familiares e especialistas, protagonistas da época como o então presidente da TAM, Marco Bologna, e a então diretora da ANAC, Denise Abreu, também foram entrevistados.

CONSEQUÊNCIAS DO ACIDENTE
O episódio final analisa as consequências do acidente e – “than-ram!!!” – adivinhem só qual foi o método utilizado para elencar as falhas sistêmicas e pontuais que em conjunto compõem os fatores contribuintes do acidente? O bom, eficiente, simples e direto método e conceito do queijo suíço, do James Reason – aquele, que os críticos de sempre, que nunca apresentaram nada produtivo, gostam de espinafrar. Pois é, antigo, anacrônico, linear…, mas que foi utilizado na Pandemia e também agora na compreensão dos fatores envolvidos no maior acidente aéreo do Brasil. Chego a imaginar que a saúde e o setor aéreo são sistemas simples… só que não. E ambos usam o conceito do queijo suíço. Será que os tomadores de decisão na pandemia, os especialistas entrevistados pela Netflix, o mundo das empresas e setores que hoje utilizam de forma crescente os conceitos de James Reason estão tão errados assim? Ou será que a crítica gratuita, superficial, sem conhecimento das suas bases, interpretações e publicações é que está certa? Cada um que tire suas próprias conclusões.

ANÁLISE SISTÊMICA
Finalizando, a minissérie informa que o relatório da Polícia Federal atribuiu aos pilotos a responsabilidade pelo acidente. Mas, como sempre, o modelo de Reason consegue associar diversos outros fatores contribuintes sistêmicos que induziram, segundo um dos especialistas entrevistados na série, os pilotos ao erro com os manetes.

No diagrama do queijo suíço apresentado no documentário estão identificados o apagão aéreo, o cansaço, o uso de uma cabine com dois pilotos ao invés de piloto e co-piloto, o peso, a pista escorregadia, a ausência de área de escape, o treinamento falho, a falta de recall por parte da Airbus, e a configuração dos manetes. A figura abaixo, extraída do terceiro episódio, mostra o diagrama.

Para terminar, recomendo aos profissionais de Segurança que ainda não assistiram esta série e que tenham acesso à Netflix, que o façam. O estudo deste caso traz importantes elementos para que se compreenda que quase sempre as soluções mais simples, e a análise da causa mais imediata são insuficientes ou mesmo injustas para se entender o que de fato aconteceu em um acidente, e para que se busquem recomendações que possam evitar a sua recorrência. Como a análise apresentada no documentário, é necessário ir muito além de uma simples discussão de dois minutos baseada em nossos pré-conceitos.

Até o próximo post!!

Uma nova visão de segurança se propõe a discutir o futuro da segurança no trabalho, cada vez mais multidisciplinar e inclusivo. Ivan Rigoletto é engenheiro químico e de segurança do trabalho, mestre em Engenharia Civil, MBA em Gestão Empresarial e doutor em Engenharia Mecânica. Está na indústria há mais de 30 anos, a metade como executivo de Segurança e ESG. É professor universitário, autor e coautor de diversos livros e artigos. Foi condecorado pelo Corpo de Bombeiros de Campinas. Estreia como articulista regular no blog da Proteção.
ivanrigoletto@gmail.com

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