quinta-feira, 19 de junho de 2025

PEC pelo fim da jornada 6×1 avança com 234 assinaturas

Por Fernanda Cunha / Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

Seria a vida um espaço de tempo para ser doado em benefício de alguns? O trabalho, sob a lógica do capitalismo, transforma o direito à vida em mercadoria, priorizando o lucro em detrimento da dignidade humana.

Na terça-feira (25) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL/SP) foi finalmente protocolada na Câmara dos Deputados. A proposta prevê a adoção da carga semanal de quatro dias de trabalho e três dias de descanso. Em entrevista à rede CNN, a deputada detalhou que a estratégia por trás da proposta é incluir uma margem para ajustes durante as negociações.

Ao mesmo tempo que a mudança enfrenta resistência, também há uma mobilização crescente em apoio à redução da jornada de trabalho, especialmente ao fim da jornada 6 x 1. A petição pública encabeçada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), já conta com mais de 2,9 milhões de assinaturas.

A PEC do 6 x 1 precisaria da assinatura de 141 deputados para ser protocolada e ultrapassou esse número com 234 assinaturas. 

Saúde e trabalho

Os debates sobre o fim da escala 6 x 1 levantaram diversas questões, entre elas o crescente adoecimento dos trabalhadores. Em um cenário preocupante para a saúde ocupacional brasileira, o Ministério da Previdência Social possui dados que revelam um crescimento exponencial de benefícios por disfunções cerebrais e comportamentais. Em 2023 foram 288.865 novos benefícios concedidos, um salto de 38% em relação ao ano anterior. Os registros contemplam duas modalidades críticas de afastamento: incapacidade temporária e permanente, sinalizando uma transformação profunda no perfil de adoecimento dos trabalhadores brasileiros.

Para o enfermeiro e sanitarista Itamar Lages, do Núcleo Cebes-Recife, esses números são reflexo direto de condições laborais desumanas e jornadas extenuantes que precarizam vidas. Ele critica abertamente a escala 6 x 1 e os programas de residência com jornadas de 60 horas semanais, apontando para o impacto devastador dessas práticas na saúde física e mental dos trabalhadores. “A pessoa vive doente, muitas vezes com problemas crônicos como hipertensão ou diabetes, que se agravam por falta de tempo para cuidados básicos”, afirma.

Itamar resgata o conceito de saúde defendido pelo Cebes na construção do SUS, que vai além da ausência de doenças e engloba a qualidade de vida e condições básicas de existência. Ele argumenta que reduzir a jornada de trabalho para um modelo como a escala 4×1 não só distribuiria melhor o tempo e oportunidades, como também permitiria aos trabalhadores espaço para descanso, convivência familiar e participação em atividades sociais. “O direito ao ócio, defendido por Domenico De Masi, é, na verdade, o direito à saúde”, pontua.

Itamar observa que o capitalismo atual, mesmo incapaz de gerar riqueza equitativa, produz trilionários enquanto a maioria luta pela sobrevivência. “Precisamos resgatar valores humanitários e civilizatórios, onde o trabalho organize a sociabilidade, mas sem roubar o tempo e a saúde das pessoas”, afirma.

De fato, a lógica de uma vida permeada por metas abusivas, jornada extenuantes e falta de autonomia com o próprio tempo são algumas das causas que levam ao agravamento da saúde como um todo.

Diante deste cenário é fundamental o posicionamento em defesa de políticas que valorizem a vida e a dignidade humana, promovendo o trabalho como instrumento de inclusão e bem-estar, e não de exploração. A redução da jornada de trabalho e a adoção de práticas laborais mais saudáveis são passos essenciais para um futuro onde o pleno emprego e a saúde sejam direitos, e não privilégios.

Saúde como um direito humano: conquistas e desafios

A saúde é um direito humano fundamental, conquistado por meio de lutas sociais e garantias institucionais ao longo das décadas. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) são marcos importantes nessa trajetória. Atualmente, a Constituição estabelece que a jornada deve ser de até 8 horas diárias e até 44 horas semanais, o que viabiliza o trabalho por seis dias com um dia de descanso. 

No entanto, apesar dos avanços, é perceptível uma crescente relação entre o trabalho e o adoecimento, intensificada nos últimos anos por políticas que flexibilizam direitos e aprofundam desigualdades sociais. Inclusive, nesta conta, pode-se incluir as mudanças climáticas que têm ocasionado ondas de calor intensas.

O desmonte da legislação trabalhista e a fragilização das normas de segurança e saúde no trabalho são fatores determinantes para esse cenário. A redução de direitos, a precarização do trabalho, o enfraquecimento coletivo dos trabalhadores com políticas antissindicais e a falta de fiscalização adequada aumentam a exposição a riscos físicos, mentais e sociais, gerando um ambiente de exploração que compromete a saúde e a qualidade de vida.

O Núcleo Saúde-Trabalho-Direito do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) tem apontado diversos fatores que agravam esse cenário, incluindo jornadas extenuantes, condições insalubres, exposição a agrotóxicos, assédio moral e dificuldades de acesso a serviços de saúde. Esses elementos evidenciam que os direitos vigentes são insuficientes para garantir a segurança e o bem-estar dos trabalhadores. 

Garantir que as vozes dos trabalhadores sejam ouvidas e que medidas concretas sejam tomadas para melhorar as condições de trabalho e saúde no país são pontos importantes do debate.

Heleno Rodrigues Correia Filho, médico e integrante do Núcleo Saúde-Trabalho-Direitos do Cebes, reforça a importância da participação ativa dos trabalhadores nas decisões sobre suas próprias condições de vida e trabalho. “É preciso que o trabalhador crie valor na história, se não for assim estaremos entregues ao estado neoliberal máximo, um estado desregulado, vendido e apropriado pelos donos do dinheiro e não por quem realmente produz e produz valor, que é quem trabalha”.

A exploração dos trabalhadores, muitas vezes submetidos a regimes de trabalho que inviabilizam uma vida digna e saudável, desafia a própria concepção de saúde adotada pelo país. O conceito ampliado de saúde, definido na 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) por Sérgio Arouca, estabelece que saúde não é apenas a ausência de doença, mas sim um estado de completo bem-estar físico, mental e social.

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