Por Mário Sobral Jr
Com a nova redação da NR 1, passei a estudar os já famosos fatores de risco psicossociais e percebi que já conhecia vários deles, pois já havia convivido com esses problemas no meu ambiente de trabalho. Na verdade, nas minhas atividades profissionais, posso citar dois exemplos que ilustram bem como esses fatores podem afetar a vida de qualquer pessoa.
O primeiro exemplo ocorreu quando eu trabalhava em um órgão público do Estado, no final do mandato de um governador. Naquela época, muitas das atividades já haviam sido concluídas e não havia mais projetos em andamento. Lembro-me de perguntar à minha chefe o que eu deveria fazer e ela respondeu: “Mário, você pode carimbar os processos”.
Carimbar os processos consistia basicamente em ficar sozinho em uma sala, batendo carimbos e escrevendo manualmente números sequenciais nas páginas. Era um trabalho mecânico, repetitivo e sem qualquer desafio intelectual. Apesar de ser relativamente bem remunerado e não ter uma pressão por produção, comecei a me sentir completamente inútil naquela função. A sensação de que eu não estava contribuindo para nada relevante se tornou insuportável, e após pouco mais de um mês, pedi demissão.
Hoje, com uma visão mais clara sobre os fatores de risco psicossociais, percebo que aquela situação estava diretamente relacionada à falta de significado no trabalho. Esse é um dos fatores que podem gerar impactos negativos na saúde mental dos trabalhadores, pois, quando não vemos propósito no que fazemos, nossa motivação despenca.
REALIDADE OPOSTA
O segundo exemplo que vivi foi em uma grande empresa em que a realidade era oposta à do órgão público: ali, a pressão era constante. Eu era responsável por diversas tarefas simultaneamente, participando de processos de checagem, projetos relacionados à Segurança do Trabalho e outras atividades.
Em um desses momentos de alta demanda, durante a revisão de um projeto de proteção para um esmeril, percebi que o engenheiro mecânico responsável pela execução da peça havia feito algo completamente diferente do que eu havia especificado. Aquilo poderia comprometer a segurança da operação. O acúmulo de tensão, o cansaço e a pressão fizeram com que eu reagisse de uma forma que nunca imaginei: perdi completamente a calma. Em um acesso de irritação, dei um berro para o engenheiro, algo totalmente incomum para a minha personalidade.
Poucos minutos depois, a ficha caiu. Pedi desculpas a ele, fui direto ao meu chefe e disse a ele: “Chefe, peço demissão. Acabei de fazer algo que não é da minha natureza”.
E assim, sem pensar duas vezes, saí da empresa.
ADOECIMENTOS
O que quero destacar com essas duas situações é que eu tive a sorte de poder sair desses empregos. Na época, achei que era o momento de fazer uma pausa, e como eu tinha uma certa estabilidade financeira, isso me permitia tomar essa decisão. Mas o que acontece com aqueles que não têm essa opção? O que ocorre com os milhares de trabalhadores que enfrentam diariamente altos níveis de estresse, sobrecarga, falta de reconhecimento e desmotivação, mas que não podem simplesmente conseguir uma pausa, ter a esperança de mudanças nas atividades ou mesmo pedir demissão?
Infelizmente, para muitas dessas pessoas, o destino é o adoecimento. Os fatores de risco psicossociais, quando ignorados, podem levar a transtornos psicológicos graves, como a síndrome de burnout, depressão e ansiedade. Além disso, há efeitos físicos associados, como dores musculares, insônia e fadiga crônica. A saúde mental dos trabalhadores precisa ser levada a sério, pois seu impacto vai muito além do ambiente de trabalho, afeta a vida pessoal, os relacionamentos e a qualidade de vida como um todo.
DESAFIOS
A NR 1 trouxe avanço importante ao dar destaque a esses riscos e ao exigir que sejam considerados na gestão de Segurança e Saúde no Trabalho. No entanto, a aplicação prática ainda enfrenta desafios, pois muitos desses riscos são subjetivos e difíceis de mensurar. Na maioria das empresas, eles são tratados como invisíveis, o que permite que continuem causando danos silenciosos à saúde dos trabalhadores.
Precisamos, portanto, ampliar esse debate, conscientizar gestores e colaboradores sobre a importância do bem-estar mental no trabalho e agir para que a prevenção dos fatores de risco psicossociais seja uma prioridade.

O blog Segurito na Proteção trata de questões relacionadas à SST. É editado pelo professor Mário Sobral Jr, que é Mestre, engenheiro de Segurança do Trabalho, especialização em Higiene Ocupacional e Ergonomia e Editor do Jornal Segurito.
mariosobral@jornalsegurito.com