sexta-feira, 27 de junho de 2025

O incidente no formigueiro

No início da tarde, com um sol forte, quatro operárias puxavam a folha e já estavam na entrada do formigueiro quando uma delas escorrega com o esforço. A folha junto com duas outras formigas acabou caindo pelo formigueiro quase acertando a rainha que estava passeando para dar uma esticada nas pernas.

O alvoroço foi total, todos queriam saber de quem tinha sido a culpa do, felizmente, incidente. A rainha, indignada com a situação, chamou a formiga TST e disse que queria um relatório até o fim do dia com todos os fatos e o nome do culpado, pois seria punido de forma exemplar.

A formiga TST enxugou o suor da testa e correu para conversar com as formigas operárias que caíram junto com a folha.

– Vocês sabem o que aconteceu? Quem foi o culpado?

Preocupadas com a consequência para a amiga, falaram que não sabiam de nada, só viram a folha caindo e elas sendo empurradas para o fundo do formigueiro.

A TST se perguntava: – Como vou achar o culpado? Ninguém vai querer denunciar uma colega que pode ter uma punição violenta.

Nesta hora ela escuta uma voz sussurrando atrás dela: – Pergunte como elas trabalham?

Ela se vira e dá de cara com uma formiga anciã com quase 3 anos de idade.

– O que você disse?

– Eu disse para você perguntar como elas fazem o trabalho delas em vez de perguntar quem foi o culpado.

– Mas a rainha quer um culpado!

– Confie, o que tem a perder? Vá conversar com as operárias para entender como é feito o processo que ao final você saberá o que precisa.

Como a formiga TST não tinha muitas escolhas, resolveu fazer o que a anciã sugeria.

As operárias estavam apavoradas, mas estranharam quando a formiga TST não perguntou sobre o acidente, mas sim como elas trabalhavam diariamente, e resolveram ajudar.

Explicaram que todos os dias saíam atrás de alimentos e como havia uma pressão devido ao inverno estar chegando e o estoque ainda não estar dentro do esperado faziam horas extras diárias. Além disso, sempre priorizavam folhas maiores para que com isso o serviço fosse agilizado, informaram que devido ao serviço ser todo braçal era comum escorregarem em pedras soltas. Não podiam dar um descanso porque a líder do setor ficava de olho e ultimamente estavam atrasando o horário de almoço para conseguir bater a meta da manhã.

A formiga TST ficou pensando um pouco e achou que estavam exagerando e resolveu conversar com outro grupo de operárias, as informações foram as mesmas.

Nesta hora duas perguntas vieram a sua cabeça: Será que no dia incidente o processo não correu de forma diferente? Se o serviço é tão puxado, como vocês conseguem evitar os acidentes?

Uma das operárias explicou que aquelas condições de trabalho já faziam parte do dia a dia delas e que para evitar acidentes tentavam trabalhar sempre em conjunto e iam resolvendo os problemas de contornar uma poça d’água, enfrentar os cupins ou pular de precipícios conforme o problema aparecia, com base no conhecimento adquirido aos longos dos meses e tentando antecipar problemas futuros.

A TST continuou a conversa e explicou que estava preocupada com o problema ocorrido no início da tarde e se as operárias tinham alguma sugestão. Uma delas deu um passo à frente e disse que havia pensado em um projeto: ao invés de fazer uma descida na vertical até o fundo do formigueiro, fazer trechos em curvas, com isso, no caso de quedas, as folhas não cairiam trechos longos e não aumentariam a velocidade; outra falou para implantar travessas na descida para evitar a queda de folhas maiores, outra que poderíamos implantar um setor de corte na entrada do formigueiro para desta forma chegar ao local de armazenamento pedaços menores o que facilitaria o armazenamento e muitas outras deram excelentes ideias.

Com todas as informações na mão a formiga TST logo percebeu o que havia acontecido e pensou como iria apresentar aquele relatório para a rainha.

Fim da tarde é chamada na corte para a apresentação do relatório. Como a rainha estava sem óculos pediu para que a própria TST lesse o texto, que com um nó na garganta iniciou leitura.

Explicou as dificuldades do processo, do esforço que as operárias estavam fazendo para conseguir o estoque para o inverno, das sugestões passadas e ao final suando frio disse que o culpado pelo acidente era o atual processo de trabalho.

Ohhhh! Foi o som ouvido por todos os presentes. A saúva macho pulou à frente e disse: – Isto é um absurdo, você está dizendo que a gestão da rainha está equivocada?

– Calado! Aqui você não manda nada, está aqui só para acasalar e quando eu quiser! Berrou a rainha.

Todo mundo estava sem respirar e a rainha continuou: – Espero que os presentes tenham entendido a gravidade do relatório apresentado, o inverno está chegando e se não resolvermos este problema não viveremos para a próxima estação. Recomendo que as ações sugeridas sejam analisadas e que o mais breve possível sejam implantadas.

MORAL DA HISTÓRIA: Eu sei que você já sabe, mas vou falar do mesmo jeito. O objetivo de qualquer análise de incidentes/acidentes não é descobrir o culpado, mas entender como ocorreu e com as informações obtidas pelos especialistas no assunto, ou seja, os trabalhadores, saber como agir para superar os problemas. Na sua próxima análise tente avaliar a situação por meio dos olhos do trabalhador, e posso garantir que praticamente sempre você irá perceber que o “erro”, naquelas condições, poderia ser de qualquer um, inclusive de você e talvez até fique surpreso ao verificar que demorou tanto tempo para acontecer.


O blog Segurito na Proteção trata de questões relacionadas à SST. É editado pelo professor Mário Sobral Jr, que é Mestre, engenheiro de Segurança do Trabalho, especialização em Higiene Ocupacional e Ergonomia e Editor do Jornal Segurito.
mariosobral@jornalsegurito.com

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