E o Oscar de melhor documentário vai para… (suspense)… “Indústria Americana”. Confesso, estava torcendo por “Democracia em Vertigem”, mas o casal Obama tirou a estatueta de Petra Costa. Assisti e gostei. “Indústria Americana” é um bom gancho para nosso blog.
O filme acompanha a instalação de uma multinacional chinesa em Dayton/Ohio, no “rusty belt”, mostrando as mudanças ocorridas ao longo de dois anos. O choque cultural, os conflitos gerados pelas novas formas de trabalho e a necessidade de lutar pelos direitos dos trabalhadores percorrem o filme. Os primeiros dois minutos valem por cinco décadas de história com a câmara registrando o fim do sonho americano. Seguem cenas do fechamento da General Motors, o desemprego e a desolação, até a automação de produção de vidros para automóveis da empresa Fuyao.
Das muitas histórias contadas no filme, escolhi olhar especialmente para Jill, uma mulher altiva, de 40 e tantos anos, que trabalhou toda a vida como operadora de empilhadeira GM. Com o desemprego, Jill perde sua casa e acaba indo morando no porão da casa da irmã. Em uma cena tocante, ela mostra o que sobrou de sua vida – uma mesinha e uma TV. Nem mesmo a cama em que dorme é dela.
Por isso, a chegada da empresa chinesa é celebrada pelos moradores da cidade, inclusive por Jill que é contratada, mas nem tudo são flores. Para começar, o salário é reduzido pela metade. Logo começam as demissões por motivos fúteis. A jornada norte-americana de oito horas é considerada insuficiente pela produção e o direito a dois dias de folga por semana é considerado um excesso. Horas extras são comuns. Fadiga. Os padrões de segurança não são respeitados. Previsivelmente, os acidentes de trabalho começam a ocorrer.
Entra em cena, então, o que eu penso ser o personagem principal do filme – o sindicato. Quando questionado se os trabalhadores podem ser sindicalizados nos Estados UNidos, o CEO da Fuyao é categórico – “preferimos que não”. Essa fala antecipa as ações que a empresa está disposta a tomar para fazer com que a vontade do CEO seja atendida e define o destino de muitos trabalhadores, dentre eles, o de Jill.
Pouco a pouco, uma tensão crescente se instala e evidencia a subserviência dos trabalhadores chineses, a serviço da pátria-mãe China, e os norte-americanos. Durante uma viagem para conhecer matriz da empresa, somos apresentados ao sindicato chinês, do qual todos os trabalhadores da Fuyao são associados. O que parece ser um paradoxo, é explicado quando o presidente do sindicato é apresentado. Trata-se do cunhado do CEO da Fuyao e a sede da entidade que, supostamente, representaria os trabalhadores está instalada em um prédio do governo.
Com sensibilidade e muita crítica, o documentário discute o capitalismo e suas versões. Faz pensar. Não vou dar mais spoilers, mas o leitor que não espere um final feliz para Jill e seus companheiros de empresa. Recomendo que os leitores assistam o filme, escolham suas histórias e formem sua opinião, mas deixo aqui uma reflexão. O capital representado pela poderosa estatal chinesa exerce pressão e controle sobre os trabalhadores. Onde há controle absoluto, há “liberdade” sindical (sim, com aspas). Onde não há como exercer esse controle, opta-se por cercear o direito de acesso ao sindicato.
“Indústria Americana” pode ser assistido com diversas lentes, sob diferentes perspectivas, mas reforça a necessidade de participação dos trabalhadores na defesa de seus direitos e na luta por um trabalho digno. E essa não é apenas minha opinião. Nas palavras da diretora Julia Reichert “os trabalhadores têm cada vez mais dificuldade hoje em dia, e acreditamos que as coisas só vão melhorar quando os trabalhadores do mundo se unirem”. Do mundo todo, Julia? Brasil incluído? Tô dentro!
O blog Histórias de Vida e de Trabalho busca no dia a dia, histórias vividas ou contadas, reais ou em filmes, que possam nos dar base para discutir temas de saúde e segurança do trabalho. Marcia Bandini é Médica, especialista em Medicina do Trabalho, doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atua na área de saúde do trabalhador desde 1994, é docente da área de Saúde do Trabalhador no Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas. Mãe, mulher, escritora, cinéfila, cinófila e ativista em prol de boas causas.
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