
Divulgação/CBPMESP
Um incêndio de grandes proporções entre os dias 2 e 10 abril alarmou a cidade de Santos/SP e arredores devido ao temor de que ele se alastrasse e atingisse a comunidade localizada no entorno do terminal portuário da empresa Ultracargo, além de outras instalações industriais próximas. O fogo atingiu inicialmente quatro tanques de combustíveis localizados no terminal da empresa que fica no bairro Alemoa.
De acordo com comunicado expedido pela Ultracargo, a equipe de Brigada de Incêndio foi acionada e evacuou a área e o Plano de Ajuda Mútua do terminal também foi contatado. Com a chegada do Corpo de Bombeiros, iniciou-se operação para resfriamento dos tanques, a fim de que as chamas não se espalhassem. No entanto, o fogo alcançou outros dois tanques, e só foi extinto após nove dias de combate ininterrupto. Além de bilhões
de litros de água do mar, foi necessária a utilização de todas as reservas do país de Líquido Gerador de Espuma (LGE) no combate ao incêndio.
Segundo o engenheiro civil e de segurança Ricardo Shamá, embora não haja registro de feridos, a ocorrência pode ser considerada um acidente ampliado, já que afetou com grande impacto o meio ambiente local e da região, prejudicou a atividade econômica da área envolvendo o maior porto do país – o Porto de Santos. “Com relação aos riscos para trabalhadores e comunidade do entorno, são dos mais variados, pois esta foi afetada no seu dia a dia por diversos impactos: qualidade do ar, mobilidade, ruído, radiação térmica, possíveis lesões ao trato respiratório, perdas de ativos, perdas da atividade econômica, impacto ao meio ambiente com relação à população ribeirinha que possui na pesca a sua principal fonte de renda”, cita o especialista, que também é consultor e participou como representante do setor de Petróleo do GTT que revisou a NR 20.
O engenheiro e pesquisador da Fundacentro, Fernando Vieira Sobrinho, concorda que se trata de acidente ampliado, conforme definição presente na Convenção 174 da OIT que o conceitua como “evento subitâneo, como emissão, incêndio ou explosão de grande magnitude, no curso de uma atividade em instalação sujeita a riscos de acidentes maiores, envolvendo uma ou mais substâncias perigosas e que implica grave perigo, imediato ou retardado, para os trabalhadores, a população ou o meio ambiente”. Ele observa ainda que “durante as investigações, é preciso determinar não apenas as causas do acidente, mas também as razões para a dificuldade no controle do incêndio. Até porque existem vários outros terminais como o da Ultracargo”.
GESTÃO
Ricardo Shamá destaca que, para terminais deste tipo iniciarem a sua operação, diversos setores institucionais devem verificar o empreendimento, desde a fase de projeto, construção e operação da instalação. A instalação deve ter a autorização da ANP (Agência Nacional de Petróleo), que deve verificar o atendimento às normas técnicas nacionais e aos requisitos exigidos pelo Corpo de Bombeiros, Cetesb e município. “Como podemos ver, trata-se de um conjunto de ações de gerenciamento legal que deveriam garantir que este tipo de evento não ocorresse e, caso acontecesse, medidas para o pronto atendimento a emergências como esta teriam que ser postas em prática rapidamente, a fim de se evitar um acidente ampliado”, diz Shamá.
CAUSAS
As principais medidas de prevenção a acidentes com líquidos combustíveis e inflamáveis, como controle de engenharia e processo para a não ocorrência de fontes de ignição junto aos produtos estocados, estão contempladas na NR 20 e devem pautar as investigações sobre o acidente. As causas do incêndio eram desconhecidas até o fechamento desta edição.
Todavia, é provável que as chamas tenham se iniciado com a combinação dos líquidos inflamáveis presentes nos tanques (gasolina e etanol), oxigênio e uma fonte de ignição – que pode ser um raio, curto circuito elétrico, aumento de temperatura do líquido combustível, entre outras. “Sem fazermos conjecturas sobre as prováveis causas do acidente, podemos dizer que houve problemas de gestão para evitar o escalonamento das consequências do incêndio”, aponta Ricardo Shamá.
O técnico de segurança e consultor em SST José Augusto da Silva Filho questiona a aplicação da NR 20 e da ABNT NBR 17505 no terminal, ressaltando a distância entre os tanques atingidos pelas chamas. “Primeiramente, não foi respeitada a distância mínima do limite da propriedade em que houve a edificação, incluindo o lado oposto da via pública e a distância mínima do lado mais próximo de qualquer via pública, ou qualquer edificação importante na mesma propriedade. O local não estava de acordo com a NBR 7505-1:2000 (Armazenagem de líquidos inflamáveis e combustíveis – Armazenagem em tanques estacionários), não havendo a possibilidade de segurar a propagação das chamas, pois as distâncias entre unidades e limites da propriedade, e espaço para os diques, não foram respeitados”, garante Silva. Possivelmente, a instalação era antiga e ainda não estava adequada à NBR.
DESINFORMAÇÃO
Herbert Passos, presidente do Sindicato dos Químicos de Santos, alerta para a falta de medidas de segurança para prevenir situações como esta. “Nossa maior preocupação é com aquilo que não aconteceu, uma vez que há quase 200 tanques com diversos tipos de materiais estocados no terminal. A ocorrência poderia ter se transformado numa tragédia, vitimando trabalhadores e a comunidade ao redor”, alerta o sindicalista. Ele cita como principal problema a falta de informação. “Estamos numa região próxima a indústrias, ao Porto de Santos, com diversos riscos. Falta treinamento e socialização dos planos de emergência. É necessário que as empresas treinem junto à comunidade do entorno”, diz.
Ele lembra que este é o segundo acidente envolvendo vazamento de produtos químicos no litoral paulista em 2015. Em janeiro, uma nuvem tóxica contendo dióxido de enxofre causou a intoxicação de 82 trabalhadores do polo industrial de Cubatão/SP, cidade vizinha a Santos. “Na ocasião, o plano de emergência também não funcionou, e faltou informação sobre o que estava acontecendo, o local do vazamento, de que produto se tratava. Estamos cobrando junto ao CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) a realização de treinamentos envolvendo os moradores da Baixada Santista”, reitera Passos.
INVESTIGAÇÕES
Após inspeção do terminal da empresa, o MPF (Ministério Público Federal) instaurou inquérito civil público a fim de apurar as consequências ambientais do incêndio, como a morte de grande quantidade de peixes observada na região. Suspeita-se que a água utilizada para combate ao incêndio e devolvida ao mar tenha causado este impacto. O MPE (Ministério Público Estadual) também instaurou inquérito para investigar as responsabilidades da Ultracargo pelo incêndio.
Em sete de abril, a prefeitura de Santos instituiu comissão intersetorial para auxiliar na investigação e na apuração de responsabilidades no incêndio, levantando prejuízos causados à cidade e à administração municipal pelo sinistro. O Grupo deverá desenvolver estudos de aperfeiçoamento da legislação municipal sobre armazenamento de produtos perigosos. A prefeitura também embargou a Ultracargo, proibindo-a de exercer qualquer tipo de atividade relacionada ao terminal.
Por meio de comunicado emitido em 11 de abril, a empresa colocou-se à disposição do Governo do Estado de São Paulo e da prefeitura de Santos para estudar progr
amas para fortalecer o porto, seu ecossistema e toda a região. “O incidente iniciado no dia 2 e finalizado no dia 10 de abril levou o país a uma mobilização sem precedentes. Não medimos esforços para cooperar com as autoridades e órgãos reguladores que atuaram na coordenação e resposta ao evento. Fornecemos todo o apoio logístico para a operação de combate ao fogo, além do suporte às demandas para minimização de impactos nas áreas de saúde, segurança e meio ambiente”, afirma o documento.
Em 15 de abril, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) anunciou que a Ultracargo será multada em 22,5 milhões de reais por ter provocado danos ambientais e colocado em risco a população.
RISCO ALTO
O combate às chamas exigiu o esforço de equipes com cerca de 100 bombeiros, que se revezaram durante nove dias de operação. No atendimento a uma emergência química, as equipes de resposta enfrentam situações arriscadas, a exemplo do vazamento de substâncias tóxicas, corrosivas, oxidantes ou inflamáveis. “No caso específico do terminal de Alemoa em Santos, os bombeiros tiveram que ficar expostos a riscos mecânicos devido à possibilidade de serem atingidos por partes dos tanques que se romperam, contato com chapas aquecidas e/ou estruturas metálicas, sobrecarga térmica capaz de conduzir à sobrecarga fisiológica por calor, além do contato com ondas de calor repentinas. Também fica evidente a exposição a riscos químicos representados pela possibilidade de inalação de aerodispersoides oriundos da queima do produto e de outros materiais atingidos pelo incêndio”, avalia o coronel Hilmar Soares Francisco, instrutor da disciplina de Prevenção de Acidentes do Trabalho do Curso de Formação de Oficiais da Academia de Bombeiros Militar Dom Pedro II do CBMERJ .
EXPOSIÇÃO
Além do uso dos EPIs adequados, é fundamental que nestas situações haja rodízio das guarnições para reduzir o nível de exposição. Também é importante manter rigoroso controle dos bombeiros expostos, com permanente observação do cenário, visto que os fenômenos relativos a esse tipo de incêndio podem ter resultados agressivos. “A principal ferramenta para o sucesso de operações como esta é o treinamento continuado das equipes de resposta, de maneira que possam conhecer os riscos envolvidos e estarem preparadas para um enfrentamento que irá levá-las a um nível demasiado alto de exposição aos agentes mecânicos e ambientais de risco. Há também que se contar com equipamentos e produtos modernos e que garantam mais eficiência no combate”, completa.