
Se você tem uma história interessante ou engraçada e quer vê-la retratada na Revista Proteção, envie para redacao2@protecao.com.br, que o Seu Guto vai ter prazer em retransmitir o causo.
Boeing ou teco-teco?
Colaboração de Wellington Tavares de Araújo
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
Em um determinado período de reestruturação de gestão da empresa em que atuo, foi contratado um novo gerente de produção e, já em nosso primeiro contato, percebi que ele não havia simpatizado muito com a minha pessoa. Fui apresentado como o responsável pela Segurança do Trabalho e, de imediato, ele me questionou se aplicávamos a Teoria de Heinrich em nossas atividades. Educadamente, respondi que não aplicávamos por entender que essa teoria não poderia servir como parâmetro formal para todo e qualquer tipo de empresa, tendo em vista as diferentes realidades dos mais diversos segmentos. Percebi que ele não gostou, mas paciência.
Os dias foram passando e ficava claro, no olhar e nos atos do cidadão, que a falta de empatia não se revertia. Posso afirmar que também não fiz muita questão, pois, pela primeira vez, me deparava com um `chefe’ e não com um `líder’. Com o passar dos meses, comecei a perceber que as demandas de SST não estavam sendo priorizadas como sempre tinham sido em gestões anteriores. Não me restou alternativa a não ser questionar, de maneira sensata e educada, ao tal gerente sobre o porquê do não retorno a nossas solicitações já que as mesmas visavam melhorar os ambientes ocupacionais com impacto positivo e direto sobre o processo produtivo. Para minha surpresa, a resposta que obtive foi a seguinte: “Papel não produz o produto final da empresa.” Naquele momento, decidi recorrer à direção industrial, que, por sua vez, se posicionou favoravelmente ao gerente, justificando que tinha contratado um Boeing, em alusão a um avião, que faria a empresa decolar.
Passada a frustração momentânea, recebemos a visita de um auditor fiscal do Ministério do Trabalho que acabou notificando a empresa por causa de algumas não conformidades que saltavam aos olhos e que obviamente tinham sido observadas, registradas e encaminhadas pela Segurança do Trabalho. Porém estavam sem solução pelo fato do gerente Boeing entender que não eram importantes frente ao processo produtivo. A situação gerou um estresse no nível gerencial, e, naquele momento, não me restou alternativa a não ser colocar sobre a mesa toda a documentação comprobatória das solicitações às quais o gerente não havia dado andamento. Não sei se exatamente por essa situação, mas, passados alguns dias, o gerente foi desligado da empresa, ficando claro para todos que aquele Boeing não passava de um aviãzinho teco-teco.
—————————————————————————————————————————————
Ginástica laboral
Colaboração de Jeronimo Castro de Santana Filho
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
Ao participar da obra de implantação de uma refinaria no Nordeste por meio de um consórcio de três empresas que fizeram a montagem de tanques, vivenciei a seguinte situação que deixou como exemplo que nem tudo que parece é. Ao ser convidado por um colega de profissão para integrar a equipe de QSSMARS (Qualidade, Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Responsabilidade Social) desse consórcio, liderado por uma grande empresa internacional de montagem, aceitei mais esse desafio. O consórcio tinha em seu quadro quase mil empregados entre o corpo técnico, o gerencial, o administrativo e o operacional. Este formado em sua maioria por soldadores e lixadores já que o escopo da obra era a montagem de tanques em chapas de aço.
Ao assumir as funções, fui chamado pelo gerente de QSSMARS que me deu a atribuição de implantar o Proergo (Programa de Ergonomia) que havia sido elaborado por uma consultoria por solicitação do consórcio. No Proergo, constava como item do cronograma de ações a implantação da prática de ginástica laboral, tudo com aprovação da gerência. Entrei em campo em busca dos recursos necessários para a implantação da ginástica laboral. Fiz contatos com uma academia dirigida por um fisioterapeuta que assumiu o compromisso de ministrar a tal ginástica laboral. Ficou acertado que inicialmente seria direcionada somente para o pessoal operacional duas vezes por semana. Cumprida a primeira fase do cronograma, o trabalho foi estendido ao pessoal administrativo uma vez por semana.
Nesse ínterim, o gerente que havia aprovado tudo teve que se ausentar da obra assumindo em seu lugar outro gerente que se mostrou contrário, entendendo que a ginástica laboral era pura perda de tempo, com atraso do início das atividades no canteiro. Esse gerente chamou o técnico em Segurança do Trabalho que trabalhava comigo para que me comunicasse que aquele seria o último mês de ginástica laboral no canteiro. Foi aí que tive a ideia de convidar o gerente a participar um dia da atividade já que seria extinta. Ele participou um dia juntamente com o pessoal do setor administrativo. Finda a sessão, ele me chamou, elogiou o trabalho e pediu que o contrato com a academia fosse ampliado para todos os dias, pois estava se sentindo renovado após a sessão que participou e pronto para enfrentar a labuta diária. Se ele se sentia assim, imagina como se sentia o pessoal operacional.
—————————————————————————————————————————————
Peçonhento?
Colaboração de José Carlos Severo Goiana
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
Esta história se passou em uma empresa de metalmecânica localizada na zona urbana durante uma das suas reuniões ordinárias da CIPA. Como forma de mostrar atuação da gestão, o presidente da Comissão montou um cronograma de atividades que deveriam ser executadas durante a gestão. O primeiro item desse cronograma era a elaboração do mapa de risco. No primeiro encontro para discutir como seriam feitas as análises dos riscos, ficou decidido que os cipeiros iriam fazer uma inspeção em todos os departamentos, analisar as condições de trabalho e o ambiente e anotar os riscos que eles encontrassem nos locais. Para isso, poderiam e deveriam conversar com os funcionários do setor sobre a percepção deles a respeito dos riscos.
Para agilizar a inspeção, o presidente montou um check list. Individualmente, os integrantes da CIPA deveriam assinalar o que eles consideravam que existia com um “x”. Foi feita uma escala para a semana da inspeção, mas todos departamentos tinham que ser visitados por cada um dos cipeiros. E assim foi feito. Após, eles devolveram o formulário ao presidente para juntar as informações. Na reunião do mês seguinte, estava pautado para todos fazerem a análise coletiva de tudo que tinha sido verificado na inspeção. Esse encontro, na realidade, era para fazer uma “peneira”, pois, como o check list era individual, agora, coletivamente, todos iriam opinar sobre quais riscos deveriam entrar no desenho do mapa.
Na apresentação, o presidente elencou os riscos que os cipeiros tinham assinalado, mas sem fazer relação com quem tinha colocado. A dinâmica era a seguinte: o presidente falava o departamento e o risco que tinha sido citado e perguntava se todos concordavam que existia no departamento e qual seria o grau do risco. Com a concordância ou discordância da maioria, mantinha ou retirava o risco.
No decorrer da reunião, foi constatada uma observação sobre risco com animais peçonhentos em um dos departamentos, o que gerou um questionamento do presidente, com surpresa, pois se tratava de uma indústria metalmecânica: “Gente, tal departamento tem animal peçonhento?” Imediatamente, todos começaram a rir. Uma das cipeiras, que sabia quem tinha registrado o bendito risco, foi logo dedurando o colega, que ficou sem jeito, mas imediatamente se justificou: “Durante a inspeção, constatei um grilo no chão”, disse. A afirmação gerou ainda mais gargalhadas da turma.
Causo enviado pelo técnico em Segurança do Trabalho José Carlos Severo Goiana, da Singer do Brasil, Juazeiro do Norte/CE. Envie sua história para redacao2@protecao.com.br.
—————————————————————————————————————————————
O “ogro” conscientizado
Causo enviado pelo técnico de Segurança do Trabalho Wellington Tavares de Araújo, da Produtos Erlan (Uberlândia/MG).
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
Como técnico de Segurança do Trabalho há 15 anos, várias foram as conquistas, mas, até chegar aqui, passei por momentos difíceis e coleciono histórias sobre aceitação e valorização do nosso trabalho. Um causo que me marcou muito é o de um ex-funcionário (supervisor de manutenção) que se aposentou e se desligou da empresa após 38 anos ininterruptos de serviços prestados. Não posso negar que ele era um expert na manutenção de máquinas e equipamentos. O seu defeito era não cumprir normas de segurança.
Quando fui admitido, o meu desejo era colocar em prática tudo aquilo que tinha aprendido na escola. Foi aí que tive uma grande decepção. Um dia, quando fazia uma inspeção de rotina, vi que o cidadão trabalhava em uma máquina muito ruidosa sem o uso do protetor auricular. Voltei ao almoxarifado para apanhar um e, educadamente, abordei o funcionário, solicitando que colocasse o EPI. Aquilo foi o estopim: o camarada se transformou e começou a gritar comigo dizendo que já trabalhava na empresa há mais de 35 anos e, como já tinha ficado surdo pela exposição ao ruído, não seria agora que começaria a usar o equipamento. Naquele momento, a minha reação instintiva foi me impor enquanto profissional, respondendo com tom de voz firme porém sem gritar: “O senhor não precisa gritar comigo, pois eu ainda não fiquei surdo e só trouxe o protetor porque achei que o senhor tinha esquecido. A minha intenção era ajudá-lo”. Ainda muito exaltado, ele replicou dizendo que não havia pedido minha ajuda.
Na semana seguinte, apresentei um plano de ação e um cronograma para a resolução de algumas anomalias, tendo destacado a falta de proteção em um determinado equipamento. Para minha surpresa, fui novamente repreendido pelo mesmo supervisor, que justificou a não instalação da devida proteção alegando que, na empresa, não havia nenhum “ogro” que pudesse vir a colocar a mão no local. Novamente me frustrei, mas, dessa vez, por pouco tempo, pois, passados alguns dias, o mesmo supervisor encostou o dedo indicador da mão direita de modo involuntário na parte perigosa para a qual havíamos solicitado a instalação da proteção. Resultado: amputação da metade do referido dedo.
Tirando o sofrimento e o constrangimento do “ogro”, o acidente serviu como lição para mostrar a ele que, independentemente da falta ou do excesso de experiência, o acidente de trabalho pode vitimar qualquer pessoa. A partir de então, ganhei um aliado que sempre fazia questão de participar das campanhas de Segurança do Trabalho. Como diz um velho ditado: “Se não vai pelo amor, vai pela dor.”
—————————————————————————————————————————————
Na escuta
Colaboração do leitor Jeronimo Castro de Santana Filho
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
A comunicação faz parte do nosso dia a dia e possui total importância na vida de todos, inclusive de quem trabalha na área prevencionista. É a partir dela que há interação entre as pessoas e que todos podem se entender. Uma importante ferramenta para os profissionais do setor é o radiocomunicador, utilizado como forma de apoio para as equipes de trabalho e para melhorar a interação e a troca rápida e eficaz de informações. O aparelho está muito presente em construções, indústrias, serviços de saúde e de transportes e também em minas. E é aí que chegamos ao engraçado causo desta edição.
Nosso leitor conta que, no ano de 2003, durante a obra de implantação de uma mina de cobre localizada no sul do Estado do Pará, havia 8,5mil empregados distribuídos entre quatro empresas, incluindo a gerenciadora. Nela, ficavam os engenheiros, os assistentes e os técnicos que faziam a fiscalização da obra. A comunicação entre eles era feita por meio de radiocomunicador. Cada setor possuía um canal exclusivo, já o canal 1 tinha acesso liberado a todos os setores, para que toda equipe ficasse sabendo dos assuntos relativos à obra.
O horário de refeição estabelecido para os trabalhadores era das 11 às 14 horas, e cada empregado tinha uma hora de livre escolha nesse intervalo para fazer sua refeição. Com isso, ocorria que, no mesmo setor, enquanto alguns se encontravam em seu intervalo de almoço, outros ainda estavam trabalhando ou já haviam retornado às atividades. Em um determinado dia, por volta das 13h30, o engenheiro civil utilizou o rádio para entrar em contato com um assistente, acionando-o pelo canal exclusivo do setor da Engenharia Civil. Como não obteve resposta do colega, o engenheiro resolveu entrar no canal geral da radiocomunicação, o canal 1, em que ocorreu o seguinte diálogo:
Engenheiro:
– “Atento, fulano! Atento, fulano! Atento, fulano!”
Assistente:
– “Fulano na escuta, pode falar.”
Engenheiro:
– “Qual sua posição por favor?”
Assistente:
– “Sentado no vaso sanitário fazendo necessidades.”
Todos os empregados que utilizavam rádio ouviram, principalmente quem se encontrava no restaurante, pois, durante o almoço, era comum todos os trabalhadores sintonizarem o canal 1 e manterem o aparelho ligado. Foi uma gargalhada geral no restaurante!
—————————————————————————————————————————————
Propaganda exagerada
Colaboração do leitor Maurício de Souza
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
Depois de ler e se divertir com várias histórias publicadas nesta seção da revista Proteção, o técnico em Segurança no Trabalho Maurício de Souza, que hoje atua na matriz da Center Shop, em Porto Alegre/RS, resolveu enviar também o seu causo. O prevencionista conta que se formou em 1997 e já trabalhou em diferentes segmentos. Por volta do final dos anos de 1990, a empresa na qual trabalhava, em prol da saúde e bem-estar dos colaboradores, estava buscando novos fornecedores de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual). Para dar seu quinhão de participação, ele recebia os representantes comerciais, acompanhava os testes dos seus equipamentos e indicava os aprovados.
Em uma dessas rotinas, foi apresentado ao TST um representante comercial do tipo “a garantia sou eu”. Além de afirmar que seus equipamentos tinham o melhor custo-benefício do mercado – “todos dizem o mesmo, devem ler a mesma cartilha”, afirma Souza -, o representante também dizia que seus produtos eram os mais resistentes. Prova disso, segundo ele, era que tinha um óculos inovador, que, além de levíssimo, resistia até a um tiro de revólver. Corajoso, o vendedor ainda disse que, se fosse do interesse da empresa, tal óculos poderia ser posto à prova. “Ele vendia, eu testava…”, lembra o prevencionista.
Como a empresa era uma das fábricas de armas ainda ativas na região Sul do Brasil, não deu outra: a dupla foi para a linha de tiro. “Ainda bem que usei um revólver calibre 22, pois, se fosse um 38, nem as hastes dos óculos sobravam! Os óculos, no entanto, eram bons mesmo, mas a propaganda foi um pouco exagerada”, afirma Souza.
O TST conta que, após o teste, o olhar do representante ao ver seu produto posto à prova lembrou aquela propaganda em que a frase de efeito é: “Não tem preço”. Após o teste, mesmo que o óculos não tenha resistido intacto ao tiro do revólver, uma sólida parceria foi firmada pela fábrica de armas com a empresa do tal representante. “E espero que ele não tenha mais encontrado pelo caminho alguém tão São Tomé como eu”, observa.
Souza espera que, ao menos, um sorriso seus colegas tenham esboçado com seu causo. “Nossas vidas de prevencionistas têm esses momentos de loucuras, pressões, frustrações, conquistas e alegrias, mas, acima de tudo, devemos nos lembrar que, todos os dias, somos responsáveis por sorrisos, abraços e muitas outras demonstrações de amor e afeto dos familiares e amigos dos nossos colegas que retornam íntegros para os seus lares”, ressalta.
—————————————————————————————————————————————
Investigação eficaz
Colaboração do leitor Wellington Tavares de Araújo
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
O autor do causo desta edição declara-se um grande entusiasta da SST. Há 15 anos, ele atua como técnico de Segurança do Trabalho em uma indústria do setor alimentício localizada na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais. Desde os tempos de escola, aprendeu que uma das características que o profissional prevencionista precisa desenvolver é a observação.
Há alguns anos, a empresa contratou um colaborador daqueles “boa praça” que logo conquistou a simpatia de todos. Esse colaborador apresentou grande desenvoltura e foi designado como responsável pelo início das atividades do seu setor. Como responsável pela arrancada, ele deveria estar na empresa às 5 horas da manhã, porém, em um determinado dia, não compareceu. Inicialmente, foi cogitado que ele havia perdido a hora. Só que quando o relógio marcou 7 horas, o supervisor disse ter ouvido no rádio do seu carro que o corpo de um homem havia sido encontrado em um local que habitualmente era o trajeto que o tal colaborador percorria para chegar até a empresa.
Pronto! O caos instalou-se, pois, para complicar ainda mais a situação, o celular do rapaz só dava caixa postal. Além disso, como era do conhecimento de todos que ele morava sozinho, não havia outro contato que pudesse acalmar os ânimos. Fui designado, então, para buscar informações junto ao Instituto Médico Legal, porém, não obtive êxito.
Para alívio de todos, às 13 horas, o cidadão apareceu na empresa com a clavícula imobilizada. Ele alegou que, ao se deslocar de casa para a empresa, caiu de bicicleta por causa de uma derrapagem em um ponto de óleo. Consequentemente, teve uma fratura. O curioso é que não havia qualquer escoriação, pois é natural, em uma queda de bicicleta, que ocorra lesão desse tipo. Desconfiado e lembrando dos conceitos de observação que aprendi na escola, não acreditei que aquilo pudesse ter sido acidente de trajeto.
Então comecei a investigar e descobri que a lesão sofrida por ele foi em consequência de alguns golpes de cabo de vassoura que havia sofrido durante uma briga na noite passada. A briga foi motivada porque o “boa praça” estava tendo um romance com a sua vizinha, que era casada, e o marido descobriu. Envergonhado por causa da situação, o colaborador preferiu dizer que tinha sido acidente de trajeto, mas, quando percebeu que detínhamos alguns conhecimentos de análise e investigação de acidentes, não teve outra alternativa a não ser confessar o caso. Resumindo: rimos bastante da situação e o colaborador prometeu nunca mais se envolver com mulher casada.
—————————————————————————————————————————————
Protetor auricular
Colaboração do leitor Thiago da Silva Viana
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
No ano de 2011, trabalhei como técnico de Segurança do Trabalho em uma empresa do ramo de transporte. Dentro da companhia, havia uma área específica destinada à manutenção da frota de ônibus. Naquela área, era obrigatório o uso do protetor auricular tipo plugue devido ao forte ruído gerado pelos motores dos ônibus em manutenção.
O uso do EPI (Equipamento de Proteção Individual) era muito cobrado pelo setor de Saúde e Segurança do Trabalho. Caso alguém da equipe de prevencionistas passasse próximo ao local e visse algum dos funcionários não utilizando o protetor sem uma justificativa aceitável, fazíamos uma advertência verbal e assim sucessivamente até chegar na advertência por escrito.
Nesse setor de manutenção dos veículos de transporte, trabalhava um mecânico que perdia ou estragava constantemente o seu protetor auricular. Cada vez que isso acontecia, ele solicitava outro. Até que, um dia, passei a monitorar mais de perto a periodicidade com que o colaborador trocava seu EPI. Ele mesmo percebendo que estava exagerando nas perdas, com o tempo, acabou ficando sem graça de solicitar novos protetores auriculares. Com isso, passou a usar sempre o mesmo plugue no seu dia a dia de trabalho, que, com o passar do tempo foi ficando cada vez mais desgastado. Após algum tempo, meio sem graça, mas também meio em desespero, o mecânico veio até mim para pedir um favor inusitado. Seu velho plugue havia se desgastado ainda mais e se deteriorado. Consequentemente, uma pequena parte do equipamento de proteção individual ficou dentro do ouvido do colaborador. Como tenho treinamento para atendimento em primeiros socorros, o levei, às pressas, até minha sala, onde, com uma pinça, retirei cuidadosamente o material do canal auditivo.
O episódio chamou a atenção de todos os colegas, pois acabou gerando uma situação hilária na empresa que ficou na memória de todos que presenciaram a situação. O resultado positivo do susto do mecânico foi que, a partir daquele dia, ele passou a ter um zelo enorme pelo seu EPI. Além disso, sempre que necessitava, solicitava um novo protetor auricular para evitar futuros problemas e novas situações embaraçosas.
Na verdade, cada tipo de protetor exige diferentes tipos de manutenção, limpeza e higienização. A higiene é muito importante porque evita a proliferação de bactérias, fungos, alergias e até infecções.
—————————————————————————————————————————————
Apressado
Colaboração da leitora Jaqueline Silveira de Souza
Ilustração: Beto Soares | Estúdio Boom
Hoje professora de curso técnico de Saúde e Segurança do Trabalho, a Jaqueline Silveira de Souza é formada como TST desde 2005. Mesmo jovem no setor, já tem muitas histórias para contar. Algumas meio chocantes. Por exemplo, no período em que ela trabalhou em uma construtora responsável por uma obra na cidade de Porto Alegre, capital gaúcha, atuava diretamente no acompanhamento da construção. Um certo dia estava andando por uma obra próxima à sua auxiliando um colega TST quando ele abordou um dos colaboradores que ajudava na instalação das proteções coletivas da obra:
– Joãozinho, onde tu vais?
O obreiro estava carregando uma de suas maletas de ferramentas, andava com muita pressa e demonstrava preocupação…
Respondeu:
– Estou indo embora! Vou trocar de obra.
Colega TST:
– Por quê? Afinal, és tu o responsável por fazer as proteções coletivas da obra…
Joãozinho:
– É que o meu pai matou dois caras lá na vila onde nós moramos. Eu não ajudei a matar, tá!? Só ajudei a carregar os corpos até o carro. Agora os comparsas dos assassinados estão me seguindo e já descobriram que eu trabalho aqui.
Os dois colegas TSTs ficaram pasmos e um pouco assustados. “Sabíamos que alguns colaboradores faziam parte do regime semiaberto, outros estavam reintegrados à sociedade recentemente, mas uma afirmação desse tipo – `só ajudei a carregar os corpos’ – fugiu da nossa rotina”, conta Jaqueline. Ela relata que, além do fato citado, já presenciou trabalhadores fazendo necessidades fisiológicas em locais impróprios, consumindo bebidas alcoólicas e outras drogas ilícitas em horário de serviço. Também já viu oficial de Justiça chegando no local de trabalho e operários fugindo. Já aconteceu, ainda, de trabalhadores desaparecerem por um tempo, de licença, e, ao retornarem ao trabalho, responder que tinham estado na prisão novamente.
Jaqueline deixa um recado aos futuros técnicos de Saúde e Segurança do Trabalho que pretendem atuar na construção civil e em outros ramos da profissão: é preciso estar preparado para trabalhar com as mais diferentes pessoas e para ouvir muitas histórias. “Não quero assustar quem está iniciando na carreira de TST, mas é necessário estar preparado para os desafios da profissão, que vão muito além da conscientização sobre o uso dos EPIs”, afirma.